Título: Tensão assusta os moradores da politizada El Alto
Autor: Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2007, Internacional, p. A8
O comerciante Alfredo Cereso, de 46 anos, pertence a um setor da classe média boliviana que faz questão de demonstrar mal-estar com a miséria vivida pela maioria da população. Não leva uma vida como a da pequena elite do país nem se importa em repetir chavões da esquerda ao reclamar do atual modelo de uso dos recursos naturais da Bolívia, que só estaria beneficiando uma minoria.
Em 2005, ele votou no líder cocaleiro Evo Morales para presidente e, mais de um ano depois, diz confiar na capacidade de o presidente garantir avanços sociais. No entanto, os protestos de movimentos ligados a Evo nas cidades de El Alto e Cochabamba, nestes dias, deixaram Cereso preocupado e assustado.
Foi na frente da loja dele em El Alto que milhares de pessoas se reuniram na última segunda-feira e se encontrariam na tarde de ontem para exigir a renúncia do governador do Departamento de La Paz, Pedro Luis Paredes, um opositor de Evo que quer mais autonomia em relação ao governo central.
¿O governo de Evo quer mais igualdade e menos miséria, mas não se pode fazer em seis meses o que os outros não fizeram em 20 anos¿, disse Cereso. ¿Não se pode resolver problemas tão grandes em pouco tempo.¿ El Alto é uma cidade-dormitório vizinha de La Paz, rodeada de montanhas geladas, com um trânsito caótico e formada por casas e casebres de tijolo e sem reboco. Dos 8,5 milhões de bolivianos, 60% vivem abaixo da linha de pobreza, segundo dados de organismos internacionais.
Na cidade, o clima foi de tensão durante o dia. Por rádio, Paredes, que está em local desconhecido, disse que mandou prender o líder local dos protestos, Nazario Ramírez, presidente da Fejuve, que congrega várias organizações sociais.
¿Não tenho medo. Primeiro, vamos colocar Paredes, que é um assassino e corrupto, na cadeia, depois, podem me meter na cadeia também¿, disse Ramírez, exaltado, ao Estado. ¿Só deve ter medo quem vive à custa do povo.¿ A sede local da Fejuve fica num prédio antigo de três andares bem na frente da área onde chegam e saem vans e ônibus para La Paz e cidades das montanhas da região. A fachada, com pintura descascando, é tomada por uma faixa com uma inscrição que segue a linha do discurso de Evo contra a autonomia dos departamentos.
¿Pela unidade e integridade da Bolívia, venceremos¿, destaca a faixa. Dali os líderes da Fejuve já armavam na manhã de ontem, antes mesmo da assembléia unificada prevista para a tarde, como fazer bloqueios nas estradas, organizar uma marcha e até tomar o palácio do governador Paredes.
Enquanto falava do lado de fora do prédio, Ramírez foi cercado por uma multidão de índios, adultos e crianças, que passou a ouvi-lo em silêncio. A entrevista virou um pequeno comício improvisado.
A todo instante, o líder fazia questão de demonstrar que não tinha ligações com o governo de Evo. Ao lado de Ramírez, um grupo tomava uma sopa quente de batatas e peixes para aliviar o frio e a fome.
Ramírez disse que Paredes foi responsável pela morte de dois manifestantes antes de Evo subir ao poder. Pelo rádio, horas antes, Paredes acusou o presidente da Bolívia de estar por trás dos protestos.
O grupo do governador diz que Evo quer concentrar poder e eliminar a oposição. ¿Não acredito numa guerra civil, mas esses protestos e essa falta de diálogo são ruins para a democracia¿, disse a jornalista desempregada Graziela Cortez, de 34 anos. ¿Evo pode conseguir um diálogo e evitar um mal maior.¿ Diversas autoridades do governo Evo deram declarações pedindo trégua a seus aliados.