Título: Evo rejeita manobra contra opositor
Autor: Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2007, Internacional, p. A8
O presidente boliviano, Evo Morales, não reconheceu o governo paralelo e revolucionário proclamado por seus partidários em Cochabamba - que substituiria o governador do departamento (equivalente a estado), o opositor Manfred Reyes Villa. Menos de 24 horas depois do anúncio de que ¿desconheciam¿ o governo de Reyes, líderes sindicais e de movimentos sociais ligados a Evo desocuparam ontem o palácio administrativo do departamento. Por temer os manifestantes, Reyes Villa ainda não havia retornado ao palácio até o início da noite.
Com a saída dos sindicalistas do palácio, Cochabamba voltou a uma aparente normalidade. Ontem, a Praça 14 de Setembro, na frente do palácio, nem parecia a mesma da noite de terça-feira, quando os líderes pró-Evo conseguiram reunir milhares de manifestantes.
¿Não fracassamos¿, afirmou Diodato García, um dos principais líderes da manifestação de Cochabamba. ¿Vamos continuar lutando para que esse traidor da pátria saia daqui¿, disse, referindo-se a Reyes Villa. O governador defende maior autonomia do departamento em relação ao governo central.
A decisão de desocupar o palácio e esvaziar a praça foi tomada no mesmo dia em que o governador aceitou publicamente uma proposta de Evo de realizar referendos para afastar qualquer autoridade eleita pelo voto direto, uma medida que pode atingir o próprio presidente ou os governadores dos departamentos bolivianos que lhe fazem oposição.
O sindicalista Diodato García nega que o governo central tenha insuflado o protesto contra o governador de Cochabamba, como declarou Reyes Villa. ¿O presidente não tem nada a ver com o que ocorreu no departamento¿, afirmou García. Em seguida, ele fez elogios a Evo. ¿Nos governos anteriores, a democracia na Bolívia era uma farsa das elites e das multinacionais¿, disse.
Enquanto policiais armados ocupavam durante a tarde o palácio, um grupo de cerca de 50 manifestantes fazia um balanço do movimento. Os líderes do protesto negaram que o anúncio de um governo paralelo, feito pelos mais radicais, tenha sido um golpe. ¿Golpe foi o que Reyes e outros governadores tentaram contra Evo¿, disse.
O sindicalista ainda acusou Reyes Villa de ter repassado ilegalmente recursos públicos para empresas de comunicação, que teriam retribuído com notícias falsas contra o presidente.
Os governadores dos nove departamentos bolivianos foram eleitos em dezembro de 2005, na mesma votação vencida por Evo. Na avaliação do governo nacional, o desconhecimento do governador de Cochabamba abriria um perigoso precedente golpista.
O vice-presidente boliviano, Álvaro García Linera, qualificou de ¿ilegal¿ o governo paralelo nomeado pelos manifestantes e afirmou que reconhecê-lo significaria um rompimento constitucional.
¿Não romperemos a institucionalidade. Gostemos ou não, seja conveniente ou não para nós, respeitaremos as autoridades constituídas mediante o voto democrático¿, afirmou García, enquanto manifestantes pró-Evo da cidade-dormitório de El Alto - vizinha de La Paz - ameaçavam desconhecer a legitimidade de outro governador opositor, o do Departamento de La Paz, José Luis Paredes (ler ao lado).
Como Reyes, Paredes atraiu a ira dos movimentos sociais e indígenas que apóiam Evo depois de propor a convocação de um novo plebiscito sobre a autonomia de seu departamento. Sob o patrocínio do partido do presidente, o Movimento ao Socialismo (MAS), os dois departamentos rejeitaram a opção pela autonomia no referendo de 2 de julho do ano passado.
CONSTITUINTE
Em Sucre, capital oficial da Bolívia, os deputados da Assembléia Constituinte alcançaram ontem o primeiro grande acordo entre governo e oposição desde sua instalação, em agosto. O MAS, que tem a maioria da Casa, concordou em ceder a presidência de 10 das 21 comissões aos partidos da oposição. No entanto, manteve a regra de aprovação de matérias por maioria simples no interior das comissões. Segue, porém, o impasse sobre a votação no plenário. O governo insiste em aprovar artigos por maioria simples, enquanto a oposição quer que as propostas sejam aprovadas por mais de dois terços dos deputados.