Título: Famintos, 'taleban indígenas' exibem suas poucas armas
Autor: Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/01/2007, Internacional, p. A7
Quem sobe as montanhas de El Alto, cidade de um milhão de habitantes, a 4.100 metros de altitude, deixa de ver o presidente Evo Morales como uma figura radical. O político boliviano que surpreendeu até o governo do ¿companheiro¿ Lula ao ocupar refinarias da Petrobrás, em maio de 2006, é um moderado de esquerda se comparado com a rede de apoio ao governo dele, formada por movimentos de camponeses, mineiros e plantadores de coca.
Evo toma certas atitudes para manter a identificação com os grupos que o elegeram e acalmar os espíritos de uma Bolívia miserável, avaliam políticos de todas as tendências do país. ¿O presidente percebe que pode não ter tanto respeito como pensa dos movimentos sociais em determinados momentos de tensão¿, diz o deputado Guillermo Mendoza, da Unidade Nacional, partido de centro.
A rede de apoio a Evo é uma babel de tendências e discursos políticos. Na cidade de El Alto, em meio a um tráfego intenso e a bancas folha de coca, um ativista barbudo pró-governo abre o agasalho para mostrar seis bananas de dinamite. Ao Estado, ele se apresenta como Comandante Osama. Tem 35 anos, 1,60 metro de altura e usa gorro. ¿Sou sobrevivente da guerra do gás¿, afirma orgulhoso, referindo-se aos conflitos de 2003 que resultaram em 74 mortes e na queda do então presidente Gonzalo Sánchez de Lozada. O uso de dinamite nos protestos é uma tradição que se intensificou a partir de 2003.
Osama diz ter trabalhado em minas de estanho. Atualmente, só atua na militância política. O ativista lidera um grupo de 20 pessoas que se identifica como ¿Taleban Indígena¿. Nos penhascos arenosos da periferia de El Alto, o grupo faz assembléias, estuda livros de guerrilha dos anos 1960 e 1970, repete discursos pró-Evo e manuseia cargas de dinamites e espingardas de baixa precisão. Victor Choque, um militante de 50 anos, é quem fornece os ¿documentos¿, como chamam velhas publicações. ¿Queremos a integridade do país, sem divisões¿, afirma Choque.
É uma gente com muito apetite e discurso. O radicalismo do ¿Taleban Indígena¿, porém, é contido pela própria situação de extrema pobreza. O grupo está mais para um ¿Incrível Exército de Brancaleone¿. Não conta com armas pesadas e é obrigado a se comportar com ternura diante de terceiros para garantir ao menos uma refeição ao dia. Uma boa parte dos integrantes do grupo vive desempregada, perambulando pelas ruas de El Alto, contando com pequenas contribuições. Ainda assim, todos fazem questão de mostrar a força e a tensão dos bons guerrilheiros e participar religiosamente de atividades de sindicatos ligados ao governo.
Num bar sujo, sem janelas e decorado com peles de animais dos Andes, Osama contava na quinta-feira histórias da esquerda boliviana. Após falar de pessoas que conviveram com o guerrilheiro cubano-argentino Ernesto Guevara, o Che, nas selvas da Bolívia, ele marcou uma visita para apresentar todos os integrantes do grupo e mostrar o local em que ele e seus amigos realizam ¿operações¿.
Na manhã de sábado, no local e hora combinados por Osama, no centro de El Alto, dois outros ¿taleban¿, amigos dele, estavam desolados. Exibiam uma edição do jornal El Diário, de La Paz. Johnny Guarachi Vargas, o Osama, ¿suposto membro do Movimento ao Socialismo¿, partido do governo, foi preso com cartuchos de dinamite durante um protesto. À polícia, ele disse que, por ser um mineiro, tem direito de andar com ¿instrumentos de trabalho¿ nos bolsos.
Os amigos de Osama são magros, não tomaram café de manhã nem jantaram na noite anterior. Após meia hora rodando num táxi com a reportagem do Estado, o grupo chega a uma favela sem calçamentos, que termina num precipício, de onde se avista parte de La Paz. Os ativistas tiram de um saco gorros para cobrir os rostos e uma espingarda de pressão. Todas as dinamites do grupo estavam com Osama. Nada de assustar.