Título: 'Lei é renúncia do Legislativo'
Autor: Marin, Denise Chrispim e Tosta, Wilson
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2007, Internacional, p. A16

Nem a oposição venezuelana imaginou que o presidente Hugo Chávez conseguiria concentrar tanto poder em tão curto espaço de tempo. Uma comissão de juristas ligada aos movimentos contrários a Chávez concluiu ontem que o instrumento legal conhecido como Lei Habilitante - com o qual Assembléia Nacional dará ao presidente poderes para governar por decreto -, na prática, funciona como a renúncia do Poder Legislativo e um 'cheque em branco' para Chávez.

'A aprovação desse dispositivo configura um abandono da função legislativa por parte da Assembléia Nacional e um atentado ao princípio da separação dos poderes', diz, em tom indignado, um relatório preliminar dessa comissão, coordenada pelo advogado Gerardo Fernández. 'Ele elimina o procedimento de formação da lei e o debate parlamentar. É um cheque em branco para o presidente da República', completa.

A Lei Habilitante foi aprovada pela Assembléia em primeira votação anteontem. Segundo o jornal El Universal, até o domingo serão realizadas assembléias populares para que a população faça sugestões sobre o seu texto e, na próxima semana, será formado um comitê parlamentar para discuti-lo.

A segunda e definitiva votação está prevista para a próxima semana. Como os aliados de Chávez ocupam 100% das cadeiras da Assembléia (a oposição boicotou as últimas eleições legislativas na Venezuela), praticamente não há dúvida de que o projeto do presidente será aprovado sem mudanças substanciais.

Instrumento legal previsto na Constituição venezuelana para agilizar a implementação de leis em situações de crise, a Habilitante permite que o Legislativo atribua parte de suas funções ao Executivo. Depois da sua aprovação, o presidente pode impor leis sem que elas tenham de ser votadas na Assembléia por um tempo delimitado, com propósitos específicos e em áreas determinadas no texto da Habilitante.

Esse dispositivo foi utilizado por Chávez em 2001, quando entraram em vigor, por decreto, 49 leis, como a Lei de Terras e a de Hidrocarbonetos. A nova Lei Habilitante, porém, é mais polêmica por ser muito ampla e porque agora Chávez também quer reformar a Constituição.

Segundo seu texto, Chávez terá 18 meses para impor decretos em 10 áreas. Uma delas é 'economia e sociedade', na qual as leis devem ter como objetivo 'transformar o paradigma capitalista e preservar a função social da propriedade'. Outra é a 'financeira e tributária', em que há metas como 'promover investimentos para o desenvolvimento endógeno do país'.

Também estão incluídas as áreas 'instituições estatais', 'segurança pública e jurídica', 'organização territorial', 'infra-estrutura e serviços', 'defesa', entre outras. O difícil é pensar no que o presidente não poderá fazer.