Título: Atritos adiam definições no Mercosul
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/01/2007, Economia, p. B1

A frase de efeito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que 'nunca houve na história do Mercosul' um momento tão favorável para a integração se esfacelou nos resultados da 32ª Reunião de Cúpula do bloco e nos debates travados ontem pelos seus líderes durante quatro horas.

Em vez de enfrentar os problemas de fundo e as polêmicas mais recentes, como o pedido de adesão plena da Bolívia e o alívio nas regras de comércio para o Uruguai e o Paraguai, os cinco sócios perderam-se em meio a divergências e protagonizaram até mesmo discussões públicas. Ontem, no segundo e último dia da reunião, os presidentes Álvaro Uribe, da Colômbia, e Evo Morales, da Bolívia, e Hugo Chávez, da Venezuela, bateram boca e escancararam a animosidade na vizinhança.

Os países preferiram manter o bloco atado a seu arsenal de mazelas e vulnerável aos apelos de Chávez em favor do aumento da participação do Estado em cada economia da região.

Os negociadores deixaram Copacabana sem nenhuma orientação para que discutam as normas que dariam maior consistência à união aduaneira - carência que deu margem a conflitos entre os sócios, como a guerra da celulose entre Uruguai e Argentina, e a recente queixa da Argentina contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC).

A política de 'generosidade' do Brasil com as economias menores da região foi desmontada com o apelo do presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, por mais justiça e direitos que beneficência.

Contagiado pelo 'Socialismo do Século 21', de Chávez, o Mercosul acabou vinculado à bandeira da reforma social - alardeada pelos seus cinco líderes. Até mesmo Evo, que não obteve uma adesão facilitada da Bolívia ao Mercosul na reunião de cúpula, atreveu-se a anunciar que vai reformar o bloco, para torná-lo menos conectado ao comércio e mais voltado aos objetivos de redução da pobreza e de participação das minorias. Sem avanços na essencial questão comercial, o slogan 'Mercosul dos povos' foi agarrado pelos seus representantes com toda a força.

PODIA SER PIOR

Os resultados, entretanto, poderiam ter sido mais preocupantes. O encontro de cúpula começou, na quinta-feira, sob uma forte pressão do governo brasileiro para que a admissão da Bolívia fosse tratada como um objetivo geopolítico e que, portanto, as concessões exigidas por Evo fossem atendidas como 'facilidades temporárias'.

Os desejos do Brasil de expandir sua generosidade - com a proposta de adoção unilateral de medidas para favorecer o ingresso de produtos uruguaios e paraguaios com mais componentes importados - acabaram abortados. Em ambos os tópicos, prevaleceu a posição da Argentina de Néstor Kirchner - sócio que, em encontros anteriores, pôs em risco a concórdia no Mercosul.