Título: 'MPs são piores que decretos do período autoritário'
Autor: Oliveira, Clarissa
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2007, Nacional, p. A8

O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) se mostra disposto a bater de frente com o governo federal e põe a revisão dos critérios para a edição de medidas provisórias entre as principais bandeiras de sua campanha à presidência da Câmara. Em entrevista ao Estado, o tucano - que representa a chamada terceira via e se prepara para enfrentar Arlindo Chinaglia (PT-SP) e Aldo Rebelo (PC do B-SP) - comparou o uso desse mecanismo à edição de decretos durante a ditadura militar.

'Faz-se uso da medida provisória com desvios muito maiores que os decretos do período autoritário', disse o tucano, lembrando que 70% do que é aprovado pela Casa nasce no Executivo. Queixando-se do relacionamento entre a Câmara e o Palácio do Planalto, Fruet também afirma que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem interesse na fragilidade do Legislativo.

Entre os candidatos à presidência da Câmara, em que o senhor se diferencia de seus adversários? A disputa começou na base do governo, entre dois candidatos que já ocuparam a função de líder do governo. Os temas ficaram restritos a dois debates: quem é mais leal ao governo e ao presidente e quem vai dar o maior aumento e o primeiro aumento salarial aos deputados a partir de 2 de fevereiro. Com isso, deixa-se de discutir temas importantes para o País.

Mas quais das suas propostas o distinguem de seus adversários? Sou contra o aumento de 90% (no salário dos deputados). É aumento pela inflação e parar a discussão até que a Câmara se reencontre com a sociedade. A partir daí, discutir de forma serena e transparente uma estrutura de correção salarial. Temos que votar temas importantes para a Câmara, mas os que têm impacto para a população. Voto aberto, restrição à edição de medidas provisórias e contingenciamento de emendas ao Orçamento da União. Votar propostas estruturantes. Reforma política e reforma tributária. Votar, para ganhar ou para perder.

Considerando o currículo parlamentar de cada um, como o senhor se destaca nessa disputa? Eu qualifico o debate. Não falo em razão da minha história, mas em respeito à biografia do Arlindo Chinaglia e do Aldo Rebelo. Mas não é só isso que está em jogo. São os acordos, a simbologia das proposições. O candidato natural era o presidente Aldo Rebelo, que está sendo atropelado, sem piedade, pagando o preço da lealdade ao governo. Parte da crise que a Câmara viveu não foi só pelos fatos gerados pela Casa, mas pela falta de firmeza no comando dos trabalhos. Há momentos em que um presidente tem de mostrar resistência. Dizer que certos casos não precisam ser julgados e pagar o preço perante a sociedade, mas manter a firmeza quando tiverem de ser julgados. No caso da CPI dos Sanguessugas, por que só deputados foram julgados? Por que não se investigou o governo e o Ministério da Saúde? Quando se discutiu aumento do salário mínimo, por que a Câmara colocou em pauta o aumento dos deputados? A quem interessa uma Câmara desgastada?

O senhor diz que o Legislativo desgastado interessa ao Executivo? Naturalmente. Estamos vendo uma distorção do sistema, que mostra o grau de banalização da cultura política brasileira. É a primeira vez que um governo toma posse e só vai indicar o novo ministério depois da eleição da Câmara dos Deputados. O que isso sinaliza? Que, depois do resultado, essa será uma forma de premiar aliados vencedores e consolar ou compensar aliados derrotados? Queremos uma eleição a favor da instituição, que pode permitir uma relação de respeito com o governo, de respeito ao presidente Lula. Mas uma relação de independência e autonomia.

O senhor diria que o uso de medidas provisórias é a semente de um mal maior? No momento em que se facilita a edição da medida provisória temos uma distorção. O Legislativo não cumpre seu papel e o Executivo não tem mais disposição para o diálogo com o Congresso. Por que banalizou? Porque tudo virou urgente, tudo virou necessário. Hoje quase 70% de tudo o que foi aprovado na Câmara teve origem no Executivo. Faz-se uso da medida provisória com desvios muito maiores que os decretos do período autoritário. O exagero de MPs é perigoso? Não é o pelo exagero de medidas provisórias. É algo maior, na hora em que a população observa que o governo, com essas MPs, não precisa do Legislativo para julgar.

O senhor diria que há um viés autoritário no governo? Eu diria que há um viés autoritário que pode vir a ser incorporado pelo governo. Se continuarmos por esse caminho, por que não alguém começar a questionar a razão da existência do Congresso Nacional? Por que não alguém propor um plebiscito, uma mudança constitucional ou até uma Constituinte para prorrogar mandatos do Executivo?

O senhor quer melhorar a imagem da Câmara, mas vários deputados eleitos se envolveram em casos de corrupção. Isso não dificulta? O Congresso é um palco de contradições. Imaginar que é um encontro de escoteiros é uma ilusão. Mas este é um momento que permite uma sinto nia. Mais do que convencimento pessoal, é uma questão de sobrevivência. A impressão que eu tenho hoje é de que o povo vê no Lula a pessoa que pode dar a resposta e vê na Câmara o inimigo do Lula.

O senhor tem sentido a pressão da população nesta eleição? Acho que vivi três momentos que mostraram uma resposta da população muito forte. A CPI (dos Correios), no início, após a denúncia do Roberto Jefferson. Em segundo, quando a Câmara e o Senado tentaram se dar um aumento salarial superior a 90%. E em terceiro agora, nesta eleição.

O senhor é contra a anistia aos ex-deputados José Dirceu e Roberto Jefferson? Não é um problema do José Dirceu ou do Roberto Jefferson. É preciso despersonalizar. Há duas situações: a primeira, é colocar gasolina em uma fogueira que estava se apagando. A segunda é que ou nós respeitamos a regra institucional ou continuaremos vivendo essa instabilidade no Brasil.

Se o senhor ficar fora do segundo turno, quem pretende apoiar? Qualquer mudança teria de ser decidida em grupo, em respeito ao grupo suprapartidário que represento.