Título: Serra e Aécio querem fazer oposição ao governo sem hostilizar Lula
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2007, Nacional, p. A9

Os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), os dois maiores detentores de poder real dentro do PSDB, vão influenciar o partido a exercitar uma postura de oposição ao governo federal, mas sem atacar ostensivamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Candidatos naturais à Presidência da República, os dois sabem que em 2010 Lula não poderá ser candidato, mas desfrutará a condição de eleitor privilegiado - e ambos perseguem o seu apoio. Essa dicotomia política chacoalhou o partido nas duas últimas semanas.

O primeiro episódio a marcar um movimento do principal partido de oposição na direção de Lula foi o apoio anunciado pelo líder na Câmara, Jutahy Júnior (BA), muito ligado a Serra, ao petista Arlindo Chinaglia na disputa da presidência da Câmara. A manobra, no entanto, foi rejeitada por parcela expressiva do partido, que viu, por trás do apoio, os dedos de Serra e Aécio. O chefe da Casa Civil de Serra, Aloizio Nunes Ferreira, rebate as acusações e diz: 'O vigor oposicionista de Serra se evidenciou com clareza no seu discurso de posse'.

A ameaça de racha foi solucionada a partir do momento em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso - que não detém poder real, mas tem força moral - divulgou uma nota condenando o apoio ao petista. FHC, que defendia o comunista Aldo Rebelo, reverteu a situação. Mas sabe-se que nos bastidores assessores de Serra pressionaram para que deputados tucanos não optassem pelo candidato próprio, enquanto Aécio, em férias nos EUA, se mantinha à distância. Aloizio admite ter dado sua opinião pessoal a alguns deputados, mas garante que Serra não se manifestou: 'Dei apenas a minha opinião de deputado que ainda sou'.

MARCAS DE CANDIDATO Serra e Aécio têm em conta que o candidato tucano para 2010 deverá cumprir três mandamentos: ostentar uma marca de esquerda (para quebrar a pecha de 'partido de direita' do PSDB), defender teses populares (para contrapor às políticas petistas) e ter o apoio de Lula ou, pelo menos, não ser visto como um inimigo dele. Serra tem dito a amigos que a postura oposicionista só se evidenciará com a prática. Mas muita gente no partido reclama uma atitude oposicionista bem visceral, que não poupe Lula.

Ao final da semana, muitas lideranças do partido faziam duas constatações e uma pergunta intrigante. A primeira constatação é que só a força moral de FHC abortou o apoio a Chinaglia; a segunda, que o lançamento do tucano Gustavo Fruet (PR) à presidência da Câmara - uma decisão tomada fora do partido - 'salvou o PSDB de um racha sem precedentes'. Com Fruet candidato, tudo parece resolvido, mas outros episódios podem surgir, com o reabertura da temporada política, a partir de fevereiro. A pergunta é: o episódio Chinaglia poderá se repetir? Se sim, como o partido voltará a reagir?

'Dá para governar em sua instância e fazer oposição no plano federal preservando os nossos princípios', diz o jovem prefeito de Curitiba, Beto Richa. Para reforçar esse empenho, muitos pregam a reforma do programa e do estatuto partidário num congresso que poderá acontecer até o meio do ano, que daria ao PSDB uma feição mais à esquerda e um corte mais popular. Uma das mudanças mais cobradas é a substituição do senador Tasso Jereissati, acusado de ter dirigido mal o partido nas eleições de 2006 e de ter optado por sua aliança com Ciro Gomes no Ceará. O mandato vai até novembro, mas muitos querem antecipar a troca. Aécio quer colocar Geraldo Alckmin na presidência e o deputado Bonifácio de Andrada (MG) na secretaria-geral.

FHC quer que o PSDB tenha um conselho de notáveis para tomar as grandes decisões; a direção seria entregue a políticos com maior capacidade operacional. No conselho de notáveis estariam ele próprio, Serra, Aécio, Alckmin, os senadores Tasso Jereissati e Marconi Perillo e os líderes na Câmara e no Senado. Esse modelo - que cai bem a um partido de quadros, como o PSDB - filtraria os grandes impasses, para evitar que as ameaças de racha voltem no futuro.