Título: Ímpeto reformista leva a erros, diz jurista
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2007, Nacional, p. A10

Emenda única à Constituição: 'Retirem-se do texto todas as normas que não sejam constitucionais.' Esta é uma hipótese, entre irônica e séria, sugerida por um dos mais experientes juristas brasileiros, o ex- ministro da Justiça, ex-presidente da Câmara dos Deputados e ex-membro do Supremo Tribunal Federal Célio Borja.

'E como há normas inconstitucionais', lamenta ele. Resultam de 'um ímpeto reformista que é típico de nossa cultura latina' e atormenta o texto constitucional desde sua promulgação em 1988. Essa compulsão legislativa 'leva ao impulso de reformar o que foi feito, alterar matérias a respeito das quais não cabe qualquer regulação'.

Nem de longe, porém, ele aplaude a idéia de convocar uma nova Constituinte, como chegou a sugerir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na fase final da campanha presidencial. 'É claro que haveria muitas coisas para mudar. Mas o texto atual deu tantos passos à frente, em relação ao que havia, que fico com medo de, ao mexerem na cristaleira, quebrarem as xícaras que estão embaixo', diz o jurista.

O juiz paulista Marcelo Semer, que preside a Associação Juízes para a Democracia, também critica o festival de mudanças constitucionais no País e faz uma comparação: 'Já chegamos a uma certa estabilidade econômica, mas estamos longe da estabilidade jurídica.' Um exemplo disso, para ele, foram as leis eleitorais produzidas às vésperas dos pleitos.

Semer afirma, também, que a relação de Lula com a Constituição 'não foi das mais profícuas'. 'Começou o mandato quebrando uma promessa e terminou fazendo uma ameaça.' A promessa, em 2002, era de não fazer nenhuma reforma na Previdência. Ele a fez. E a ameaça, no fim, foi convocar uma Constituinte.

'Como não há qualquer ruptura constitucional, essa proposta assume ares de ameaça: realizar uma Constituição de maioria, de governo, mas não de Estado.' O que está em discussão, adverte Semer, é o quórum qualificado para as emendas constitucionais.

Célio Borja admite que o vezo reformista se deve à própria Constituição, que cria dificuldades, aqui e ali, para a ação dos governos. Mas, em sua longa vida nos meios políticos e jurídicos do País , ele diz ter visto sempre 'um simples gosto, permanente, de fazer normas', como se apenas por existir elas resolvessem os problemas. E, quando os políticos percebem que elas não resolvem, reúnem-se de novo e fazem outras normas. 'Isso me faz lembrar uma frase do estudioso alemão Karl Schmidt, que se referia às normas que brilham como estrelas no céu. Elas ficam lá em cima, sem qualquer relação com nossa vida real, aqui embaixo.'