Título: Constituição muda menos com Lula, e nem sempre para melhor
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2007, Nacional, p. A10

Num país que tem mania de fazer leis, de mudá-las a toda hora e quase nunca respeitá-las, a Constituição brasileira atravessou os quatro anos do governo Lula sofrendo uma emenda constitucional a cada 105 dias na média - foram 14 no total -, mas 'resistiu bem e está mais sólida', na avaliação do professor Fábio Pansieri, presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional e professor de direito na PUC de Curitiba.

Na comparação com países do Primeiro Mundo, foram mudanças demais. No confronto com os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, foram de menos. Entre 1995 e 2002 o Congresso aprovou 34 alterações, uma a cada 85 dias. 'O importante', diz Pansieri, 'é que a Constituição mostrou mecanismos para superar os desafios e o Supremo Tribunal Federal (STF) funcionou a contento como o guardião das leis.' Por exemplo, quando enquadrou os tribunais que pagavam supersalários e depois ao vetar o aumento de 90% dos parlamentares.

As 14 emendas dos últimos quatro anos são um retrato perfeito da política brasileira. Elas incluem decisões históricas, como a que obriga servidores inativos a contribuir para a Previdência ou a que criou o Conselho Nacional de Justiça e a súmula vinculante. Uma outra, famosa por instituir o Fundeb, introduziu o importantíssimo piso nacional para professores do ensino básico. Mas lá estão também iniciativas esdrúxulas, como um artigo que prorroga por mais 10 anos o modo de repartir o dinheiro dos planos de irrigação no Nordeste ou outra que autoriza a descentralização das fábricas de radioisótopos de vida curta. Por fim, o Congresso aprovou emendas que nada emendaram - ou seja, deixaram a decisão para depois, como a da reforma tributária ou a que nada definiu sobre a autonomia do Banco Central.

Pansieri destaca a Emenda 41, da reforma da Previdência, a 45, da reforma do Judiciário, a 50, que reduziu as férias parlamentares, e a 53, que cria o Fundeb, como avanços importantes. Na primeira delas, o ponto de destaque foi o pagamento de contribuição pelos servidores inativos. Houve muita grita, o corporativismo fez barulho, mas prevaleceu 'o princípio do modelo contributivo solidário'. Ou seja, que 'alguns têm de contribuir num determinado momento para que no futuro todos possam se beneficiar', define o advogado.

A reforma do Judiciário trouxe avanços elogiáveis, afirma o advogado. O direito à celeridade processual, a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o do Ministério Público (CNMP), a súmula vinculante - que impõe aos juízes em todas as instâncias a necessidade de considerar, em suas decisões, a jurisprudência já adotada no STF. 'Mas isso não é novidade', lembra ele, pois a ação declaratória de inconstitucionalidade, criada em 1993, 'já trazia um efeito vinculante para as decisões do Supremo'.

Pansieri festeja a Emenda 50 como 'o mais republicano gesto, talvez', da atual legislatura: ela diminuiu de 90 para 45 dias as férias dos parlamentares e acabou com o pagamento de jetons em convocações extraordinárias. Na sua lista negativa ele inclui a chance perdida da reforma tributária (Emenda 42), a nova regra para distribuir recursos de irrigação (a 43) e a que veio para avisar - só avisar - que haverá uma lei para o Plano Nacional de Cultura. 'Já temos de sobra instituições públicas para a cultura', lembra Pansieri. A intenção por trás dessa emenda, afirma, é criar comissões, centros de formação de pessoal, empregos e gastos públicos.

Os congressistas preocuparam-se, também, em criar outra norma constitucional apenas para tirar da União o monopólio de produção de radioisótopos de vida curta. Era necessário, por motivos práticos, e a lei restringe ao Estado tudo que diz respeito à energia nuclear, mas não era preciso mexer na Constituição por causa disso, diz Pansieri. Por fim, o advogado vê 'com certa tristeza' a Emenda 52, que acabou com a verticalização. Na prática, ela liberou os partidos, no início da campanha eleitoral de 2006, para fazer alianças à vontade nos Estados, 'o que permitiu também à aliança do governo flexibilizar seus apoios'.