Título: Evo ameaça com mais nacionalizações
Autor: Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2007, Internacional, p. A10

Em uma demonstração de força no primeiro aniversário de sua chegada ao poder, o presidente da Bolívia, Evo Morales, conseguiu ontem esvaziar a greve geral de 24 horas promovida pela federação de associações de moradores de El Alto, a Fejuve, e ameaçou promover novas nacionalizações.

Em discurso no Congresso, na Praça Murillo, o presidente afirmou que serão nacionalizadas as empresas mistas com sócios estrangeiros nas quais sejam detectadas provas de corrupção ou que não cumpram integralmente com seu compromisso de investimento. ¿Com toda a sinceridade, se elas não cumprirem com as leis bolivianas, essas empresas voltarão para as mãos do Estado¿, disse Evo, que nacionalizou em maio o setor de hidrocarbonetos (gás e petróleo).

A ameaça do presidente atinge empresas estrangeiras que atuam em conjunto com o Estado boliviano tanto na área de hidrocarbonetos como nas de eletricidade, telecomunicações, ferrovia e aviação. Evo anunciou ainda ter enviado ao Congresso um projeto para aumentar os impostos das companhias estrangeiras de mineração, sem dar detalhes.

O presidente fez uma prestação de contas das ações do primeiro ano de mandato. Foram quatro horas e meia de pronunciamento, sem interrupção. Logo no início, os deputados do principal partido de oposição, o Podemos, se levantaram e, em silêncio, deixaram o Congresso. Após o discurso, Evo caminhou por 50 metros até o Palácio Quemado, sede do governo, também na Praça Murillo.

Evo temia que a greve convocada pela Fejuve - que exige a renúncia do governador oposicionista do Departamento (Estado) de La Paz, José Luis Paredes - acirrasse os ânimos com a oposição e ofuscasse a festa de seu primeiro ano de mandato. Assim, por volta de 7 horas (9 horas em Brasília), cerca de 800 policiais já formavam um paredão na saída da cidade de El Alto, impedindo que os manifestantes descessem a montanha rumo ao centro de La Paz, onde está o palácio do governador. Ainda na noite de domingo, dezenas de núcleos da Fejuve aceitaram o pedidos do governo para desmobilizar parte dos militantes.

Os manifestantes que foram para as ruas chegaram a bloquear por mais de três horas vias de acesso a El Alto. Cerca de 5 mil pessoas, número baixo em se tratando do politizado reduto do Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Evo, participaram da manifestação, segundo cálculos da polícia. Os agentes informaram que não foram registrados incidentes graves durante o protesto.

Um grupo de 500 ¿ponchos vermelhos¿, indígenas da região, conseguiu furar o bloqueio e descer a montanha. Além de pedir a renúncia de Paredes, os manifestantes participaram, na Praça São Francisco de La Paz, no centro, de uma festa para comemorar o primeiro ano do governo. Até o início da noite, a festa reunia 5 mil pessoas.

O esvaziamento da greve tranqüilizou o governo. Nos últimos dias, ministros e assessores de Evo deram declarações contra o afastamento por meio de protestos dos governadores de oposição - como Paredes e o de Cochabamba, Manfred Reyes Villa - que defendem maior autonomia de suas regiões em relação ao governo central. O vice-presidente Álvaro García Linera chegou a dizer, em entrevista a jornais da capital, que o governo errou ao não liderar o processo de autonomia dos departamentos.

A imprensa e parte da opinião pública avaliam que Evo, no primeiro ano de mandato, foi uma surpresa na área econômica, especialmente pelo aumento de quase 100% das exportações. O presidente manteve a política de antecessores de aumento de impostos e rigor nas fiscalizações do setor do gás. Evo, porém, é criticado pelas turbulências entre aliados e oposicionistas. Na avaliação dos especialistas, ele não conseguiu unir empresários, políticos e movimentos populares na busca de consenso para as mudanças sociais.

Evo conta com maioria na Câmara. Dos 130 deputados, 72 são do MAS. Já no Senado, o presidente tem o apoio de apenas 12 dos 27 parlamentares. O controle da rede de sindicatos e movimentos de plantadores de coca, mineiros, indígenas e camponeses, no entanto, dá ao governo força política. Os movimentos sociais na Bolívia, liderados até 2005 pelo então sindicalista Evo, têm tradição de afastar presidentes e governadores.

A posição mais moderada de Evo na questão dos governadores tem irritado parte dos líderes dos movimentos sociais de El Alto. ¿Vamos continuar apoiando Evo, mas não é esse o governo que queremos¿, afirmou Obaldo Flores, de 30 anos, um líder aimará, mesma etnia do presidente. ¿Evo não é neoliberal, mas também não é socialista. Apoiamos o governo de um irmão indígena apenas como estratégia para nos estruturar.¿

Uma pesquisa publicada ontem pelo jornal La Razón indica que a popularidade de Evo caiu de 62%, em dezembro, para 59%.