Título: Retificação de rio ampliou limites de SP
Autor: Lopes, Elizabeth e Menocchi, Simone
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2007, Metrópole, p. C4

Bem perto da cratera do metrô, engenheiros da companhia anglo-canadense The São Paulo Tramway Light and Power terminavam há 50 anos uma obra que ampliou os rumos do crescimento da cidade: a retificação do Rio Pinheiros. Para permitir a urbanização de terrenos de várzea, o então sinuoso rio foi transformado num canal de traçado reto. A obra, iniciada em 1934, seis anos após autorização do governador Armando de Salles Oliveira, foi concluída 23 anos depois, em julho de 1957.

De 42 quilômetros, o rio passou a ter 25. A obra deu à cidade 25 milhões de metros quadrados, que serviram à expansão urbana no sudoeste da capital. Nada menos que 18 milhões de metros cúbicos de terra - suficientes para encher 1,8 milhão de caminhões - foram escavados na região, onde hoje estão a Cidade Universitária, o Jockey Clube, indústrias, shoppings e bairros de elite loteados pela Companhia City, também associada à Light, então concessionária dos serviços de bondes elétricos, telefonia e energia. A retificação ainda ajudou a aumentar a produção de energia elétrica na Usina Henry Borden, em Cubatão, distante 57 quilômetros da capital e fundamental para a industrialização paulistana.

No livro A Cidade de São Paulo (volume 1), o geomorfologista Aziz Ab'Saber lembra que a planície do Pinheiros era um dos elementos topográficos mais hostis à expansão de São Paulo. 'Tempo houve em que as linhas de limite entre as planícies aluviais e os sopés das baixas colinas e terraços fluviais marcavam, com exatidão surpreendente, as fronteiras entre a área efetivamente urbanizada e as áreas de baldios e brejais abandonadas.' No fim do século 19, as margens do Pinheiros ganharam utilidade econômica. Cheias de portos de areia, elas recebiam embarcações de até 11 metros de comprimento e 17 toneladas de capacidade. Por volta de 1938, após o início das obras de retificação, tal exploração declinou. Eliminados os meandros do Pinheiros, a areia não tinha mais onde se depositar.

Pesquisas do arquiteto Paulo Renato Mesquita Pellegrino mostram que, a partir da retificação e da construção de vias expressas de tráfego e antes mesmo de suas águas estarem poluídas, o rio ficou isolado do convívio direto com a população. Imóveis se aproximaram, mas ninguém mais nadaria no Pinheiros. Em 1944, foi criada uma comissão para construção do campus da USP, mesmo ano em que o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) iniciava as obras de seu Laboratório de Ensaios na Cidade Universitária, exatamente num descampado surgido da retificação do Pinheiros.

Roberto Kochen, do Instituto de Engenharia de São Paulo, explica que a retificação de um rio não é obra complicada, apesar de cara. 'Usando o espaço das margens, faz-se um canal, que concentra a água do rio. O leito original, então, é aterrado.' Mesmo simples, a obra acabou, porém, alterando o futuro da cidade. 'Foi um mal necessário', resume o professor de História da Arquitetura da USP Benedito Lima de Toledo. 'São Paulo precisava desse espaço.'