Título: A autonomia do BC
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/01/2007, Notas e Informações, p. A3
Se fossem determinantes as atitudes de alguns ministros e a omissão do presidente da República, poderíamos considerar que a reunião de ontem do Comitê de Política Monetária (Copom) marcou o fim da independência de fato do Banco Central (BC), cuja manutenção, nos últimos quatro anos, contribuiu decisivamente para os planos político-eleitorais e para a afirmação do prestígio do presidente Luiz Inácio da Lula Silva no exterior.
A reunião foi balizada por três fatos, todos eles em consonância com o anúncio feito antes pelo ministro das Relações Institucionais,Tarso Genro, do ¿fim da era Palocci¿.
O primeiro fato que merece destaque é a demora de Lula em confirmar a permanência de Henrique Meirelles na presidência do Banco Central. O presidente da República, com maquiavelismo caboclo, criou a impressão de que a presidência do BC não mudaria, ao reconhecer que a política ortodoxa do BC, conduzido por Henrique Meirelles, foi uma importante contribuição para a sua reeleição. No entanto, até agora não oficializou a permanência de Meirelles, deixando-o em situação embaraçosa quando participa de reuniões internacionais. No governo, não são poucos os que entendem que a demora de Lula em oficializar a indicação para o BC é um modo sutil de fazer pressão sobre Meirelles, deixando subentendido que o preço de sua confirmação será o afrouxamento da política ortodoxa.
Daí não surpreender que o ministro da Fazenda tenha abandonado os escrúpulos e a cortesia durante a apresentação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ao sugerir a Meirelles, diante de ministros, governadores e de redes de rádio e televisão, que o sucesso do PAC dependia da decisão do Copom. Ontem, o ministro disse que sua observação foi feita em tom de brincadeira - como se ministros da Fazenda pudessem brincar com política monetária. Além disso, não é segredo que Mantega, quando ocupou a pasta do Planejamento, foi um dos críticos mais violentos da política monetária ortodoxa.
Mas, para não deixar margem para dúvidas, a toda-poderosa ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, apressou-se a reforçar a ¿brincadeira¿ do ministro da Fazenda ao afirmar que o ritmo da queda das taxas de juros depende do BC - dando a essa observação óbvia o tom de quem já descobriu o culpado pelo eventual fracasso do plano mirabolante. O que a ministra faz, como crítica contumaz da ortodoxia monetária e porta-voz da ala esquerda do PT, é redobrar a pressão sobre o presidente da República para afastar Meirelles.
Cabe lembrar que, nas atas das três últimas reuniões, o Copom mencionou a possibilidade de ¿maior parcimônia¿ na condução da política monetária e que, na reunião de novembro, três membros do colegiado foram favoráveis a uma redução menor da taxa básica. E, de fato, a evolução da economia desde o final de novembro justifica uma posição mais cautelosa do Copom, especialmente depois que o PAC admitiu uma redução do superávit primário, num momento em que se verifica, de um lado, uma inflação maior e, de outro, uma redução da tendência de crescimento das exportações.
Foi nesse clima que o Copom se reuniu para fixar a taxa Selic. Seja qual for a decisão, que não conhecíamos ao redigir este editorial, não se poderá dizer que seus membros não sofreram fortes pressões por parte do governo. São fortes, portanto, os sinais de que chegamos ao ¿fim da era Palocci¿.
Foi, sem dúvida, a capacidade do ex-ministro da Fazenda para resistir às pressões do seu próprio partido, contando com o claro apoio de Lula, que permitiu o controle da inflação em níveis que deram ao País e ao presidente da República o respeito da comunidade financeira internacional, apesar das incongruências da política externa.
Se a independência do BC, ainda que informal, for perdida, o Brasil perderá junto um capital de credibilidade que foi acumulado com grandes esforços. A comunidade internacional de certo associaria essa mudança ao vento populista que sopra na America Latina. No plano interno, estaria perdido um vital instrumento de controle monetário. E, sem a ação eficaz de um órgão que force a economia brasileira a ser realista, dentro de metas de inflação, o Brasil correria o risco de voltar aos tempos terríveis do descontrole de preços.