Título: O reino do capitalismo relutante
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2007, Notas e Informações, p. A3
Brasil e América Latina estão novamente fora da moda e isso é demonstrado com toda clareza na pauta e nos debates do Fórum Econômico Mundial. Os latino-americanos estão no fundo da cena, como figurantes de pouca importância nas grandes questões globais. Crescem devagar, continuam derrapando em velhos problemas e nem sequer ameaçam a segurança global. China e Índia são os emergentes de maior projeção, assunto obrigatório nos debates econômicos da elite mundial, e são seguidos de perto, em dinamismo, apenas por outras economias da Ásia e da antiga Europa Oriental. Nem a eleição de governos populistas e com bandeiras de nacionalismo anacrônico muda esse quadro: se esses governos cumprirem suas promessas, pior para seus países, condenados, nesse caso, a uma irrelevância ainda maior.
A América Latina foi quase completamente ignorada nos primeiros debates do Fórum Econômico Mundial, na reunião iniciada na quarta-feira. Não foi mencionada na sessão de abertura, dedicada tradicionalmente a uma avaliação das perspectivas da economia mundial. Só se falou extensamente da região num seminário que teve a participação quase exclusiva de empresários e políticos latino-americanos e, como de costume, a sessão foi parecida com uma psicoterapia de grupo.
O exercício, no entanto, não resultou na revelação de nenhuma novidade importante. Como de costume, o Chile se destacou como a exceção positiva, o país adiantado - muito mais adiantado - desta parte do mundo na realização de reformas modernizadoras e na condução de políticas sensatas e voltadas para a segurança de longo prazo. Houve poucos momentos de otimismo, como quando se afirmou, provavelmente com exagero, que a estabilidade é hoje um valor e que os povos da região não se dispõem a voltar aos tempos da completa desordem fiscal, da inflação alta e dos grandes buracos nas contas externas, com o correspondente endividamento.
A maior parte do seminário foi centrada numa questão angustiante e, apesar disso, muito mais simples do que pode parecer inicialmente: por que a maioria dos latino-americanos é incapaz de crescer economicamente como a China e a Índia?
Houve diversas tentativas de resposta, mas o miolo do problema foi apontado em termos muito simples pelo ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo. Os latino-americanos, segundo ele, têm recusado as mais eficientes formas de produção de riqueza inventadas pela humanidade. Enquanto não mudarem de atitude, acrescentou, os latinos continuarão a ser capitalistas do tipo relutante.
A discussão continuou, mas ninguém conseguiu derrubar o diagnóstico apresentado pelo mexicano. O capitalismo relutante se expressa de várias maneiras - pelo excesso de regulamentos, pelo gasto público descontrolado, pela escassez de poupança, pela rigidez dos mercados, pelo baixo investimento em educação e tecnologia e por uma série de práticas incompatíveis com o uso eficiente de recursos materiais e humanos.
Por uma notável coincidência, a Price water house and Coopers havia divulgado na noite anterior sua pesquisa anual com executivos-chefes de dezenas de países. A maior ameaça ao crescimento dos negócios nos próximos anos, segundo a maioria dos consultados, é o excesso de regulamentos. Essa ameaça, de acordo com esses dirigentes de empresas, é muito mais importante que o risco representado pelo terrorismo ou pelo desaquecimento eventual da economia americana.
É fácil entender esse ponto de vista. Com ou sem terrorismo, com ou sem recessão nos EUA ou noutras economias do Primeiro Mundo, o crescimento será sempre ameaçado pela burocracia excessiva e pela regulamentação fora de propósito. Ora, esse é um problema tipicamente latino-americano, embora a pesquisa não mencione esse detalhe. É um dos muitos fatores de ineficiência, juntamente com a tributação excessiva e pouco funcional, o fechamento ainda considerável de muitas economias, a insegurança regulatória e jurídica e a inadequação da infra-estrutura e da mão-de-obra.
As economias mais dinâmicas não resolveram todos esses problemas. Resolveram alguns, e isso é mais do que fez até hoje a maior parte dos latino-americanos.