Título: 'PAC não é um pactóide, não é raio num céu azul'
Autor: Abreu, Beatriz e Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2007, Nacional, p. A6
Ela não quer nem ouvir falar em disputa entre desenvolvimentistas e monetaristas dentro do governo. Três dias depois de atrair todos os holofotes para suas tarefas, com a divulgação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse ontem que não pretende ser a mulher forte do Palácio do Planalto. ¿Não existe a era Dilma¿, afirmou ela. ¿Não há um Rasputin atrás do presidente¿, completou, numa referência ao monge Grigori Rasputin, conselheiro da família imperial russa e um dos personagens mais enigmáticos do período que antecedeu a revolução de 1917.
Antecessor de Dilma no cargo, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu - que ontem pediu em seu blog a queda do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles - era conhecido como ¿Rasputin¿ do Planalto. Ela, por sua vez, jura não ter ambições para a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010. Mais: no seu diagnóstico, o rótulo de superministra é uma tentativa de desqualificá-la.
Dilma amenizou as críticas ao PAC, feitas em coro por empresários, governadores, sindicalistas e oposição. ¿O PAC não é um pactóide, não é um raio num céu azul¿, disse, numa alusão ao termo ¿factóide¿, fato sem conteúdo divulgado apenas para causar impacto. A ministra deu uma estocada no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao observar que, para montar o plano com o qual Lula pretende marcar o segundo mandato, ¿não foi contratada uma consultoria estrangeira para fazer um processo de privatização ou um programa de ação¿.
Gripada e tomando vitamina C, Dilma admitiu que o governo precisará ¿costurar acordos¿ no Congresso. No seu diagnóstico, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), tem o direito de criticar o plano, porque é um dos economistas ¿mais brilhantes do País¿. Observou, no entanto, que é ¿extremamente acadêmico¿ discutir se o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 4% deve ser premissa ou resultado.
Os governadores têm feito muitas críticas ao PAC. Serra disse que o governo erra ao considerar o crescimento acima de 4% como premissa, e não como resultado. Como a senhora vê essa crítica?
É extremamente acadêmico ficar discutindo o que é resultado e o que é premissa. Para mim também é premissa a trajetória da relação dívida-PIB. É premissa uma taxa de juros em trajetória decrescente. É premissa para mim uma inflação sob controle. Mas é resultado também. O governador Serra tem direito de fazer os comentários, até porque é um dos mais brilhantes economistas do País. E nós temos o direito de discordar. Não se trata aqui de um modelo. Trata-se de um projeto vivo, feito para um país concreto. O PAC não é um pactóide, não é um raio num céu azul. É um programa que tem boa receptividade por parte dos empresários, dos investidores que serão os nossos parceiros nesse esforço para acelerar o crescimento . É fruto de um processo. Não foi contratada uma consultoria estrangeira para fazer ou um processo de privatização ou um programa de ação.
Há muitas queixas e alguns governadores dizem que não foram ouvidos sobre os projetos...
Não discuti com nenhum dos governadores se uma determinada coisa entra ou sai do PAC, até porque isso é uma questão do Orçamento do governo federal. Mas escutei os seus pleitos. Estaremos abertos aos governadores, até porque eles são agentes fundamentais para o PAC, porque é nos Estados que estão as obras.
É possível mudar o plano para atender às reivindicações?
Olha, se alguém quer incluir algum projeto, ele tem que dizer o que deseja retirar. O PAC não é uma porteira aberta. O programa tem uma âncora na robustez fiscal. Nós temos escassez de recursos. O presidente disse que o crescimento não pode comprometer a estabilidade. O programa apresentado é uma combinação do processo de estabilidade com o de crescimento. Não cabe uma discussão do tipo `eu tenho aqui dez obras e você coloca no PAC¿. Não é isso.
A decisão do Banco Central de baixar a taxa de juros em apenas 0,25 ponto porcentual não foi uma ducha de água fria no estímulo ao investimento do PAC?
Apostamos em duas coisas: no crescimento do PIB e na trajetória de queda da taxa de juros. O Banco Central manteve a trajetória de queda. Eu acho que havia, de fato, no conjunto do País a expectativa (de queda dos juros). Acho que dá para dizer que o País está sólido para ter uma redução dos juros. E isso o BC fez. Estou relativizando para não cairmos no mais negro pessimismo.
O ex-ministro José Dirceu está fazendo um chamamento à sociedade do tipo ¿Fora Meirelles¿, abaixo o Copom. Isso não cria um caldo de cultura contra o BC?
Eu não acho que um governo possa olhar essa questão dessa forma. Uma pessoa fora do governo tem direito de externar a opinião que ela quer, mas não acho que seja possível deixar de considerar que houve uma trajetória decrescente, uma queda nos juros. É importante essa atitude do governo muito tranqüila e muito serena em relação a essa situação.
Com o PAC, acabou no governo a disputa entre desenvolvimentistas e monetaristas?
Eu acho que uma parte da disputa colocada nesses termos é construída pela imprensa. Tem uma parte da disputa que é uma discussão sobre qual é o ritmo e quanto nós crescemos. Mas em momento nenhum ninguém quis jogar a criança com a água do banho fora. Nem acho que dentro do governo haja um conflito dessa proporção. Hoje há uma confluência de concepção: é possível crescer mantendo a estabilidade. Mas temos de ousar. Não é a mesma realidade de 2003: não estamos quebrando, a inflação está decrescendo.
Foi o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, quem se referiu ao fim da era Palocci e depois se corrigiu...
Tem um governo Lula e acho que o pessoal levou tempo para reconhecer que tem um governo Lula.
Então a que a sra. atribui o comentário de que começou a era Dilma?
Isso é uma tentativa de desqualificar. Não existe uma era Dilma. Individualizar um projeto coletivo é diminuir a força dele. Falar que existe uma era que não seja a era Lula é a tentativa de diminuir e desqualificar o fato de termos um governo com um presidente absolutamente cônscio das suas funções administrativas, das suas decisões, e que não as delega.
Não é uma tentativa de dizer que hoje a senhora é a pessoa mais influente do governo, que pode ser a sucessora de Lula em 2010?
É uma visão também distorcida. O presidente não é uma pessoa de influências assim. Ele ouve várias opiniões e forma a dele. Não há um Rasputin atrás do presidente. Ele é um homem com trajetória política que mostra isso: é extremamente arguto, capaz, e com grande sensibilidade política e capacidade de trabalho. Sempre que essas caracterizações aparecem, são inadequadas.
A senhora não tem, então, ambições políticas?
Essa agenda não é a minha. Não só isso não está no alcance das minhas chinelas como não é a minha agenda... E olho com muita desconfiança essa conversa. É o meu lado mineiro. Eu tenho um lado gaúcho, mas eu também tenho um lado mineiro (risos).
Esse lado mineiro é o que salva a senhora?
Sempre. Foi ele que me salvou na vida.
A disputa pela presidência da Câmara, com o racha na base aliada, não pode comprometer a aprovação das medidas do PAC no Congresso? O governo não precisa costurar acordos políticos?
Acho que sempre precisa costurar (acordos) num país democrático. Um governo não pode supor que vai pegar um conjunto de projetos de lei, de medidas provisórias, vai lá no Congresso e aprova. Tem que costurar, tem que negociar. Esse aspecto não é ruim, faz parte da regra. Muitas vezes a negociação até melhora o projeto.
A regra de controle da folha salarial não deve passar no Congresso. O Legislativo e o Supremo não querem essa trava...
Temos que fazer o esforço para introduzir cláusulas de gasto na legislação. Sem sombra de dúvida, há medidas mais difíceis e outras mais fáceis. Mas nós achamos que era correto sinalizar isso. Como achamos que, para mandar ao Congresso uma reforma da Previdência feita em gabinete, que não vai passar nem um milímetro, é preciso construir primeiro uma proposta na sociedade.