Título: Irã e sauditas disputam influência sobre Líbano
Autor: Lapouge, Gilles
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/01/2007, Internacional, p. A10

Os US$ 7,6 bilhões que a conferência de Paris levantou em favor do Líbano, arruinado pela guerra do ano passado entre Israel e o Hezbollah, são apenas a parte visível das grandes manobras conduzidas para afastar o perigo de uma nova guerra civil no país. Nessa ampla negociação, Riad assume um papel de grande importância. Por que a Arábia Saudita? Porque, afinal, esse país é guardião dos lugares santos muçulmanos. Portanto, desfruta de certa autoridade no Oriente Médio. Mas é uma autoridade limitada por se tratar de um país sunita e, em conseqüência, malvisto pelos países muçulmanos xiitas, especialmente pelo Irã dos aiatolás. Ora, o Líbano está no núcleo do confronto entre sunitas e xiitas. O Hezbollah, essa força que ameaça o governo do primeiro-ministro libanês, Fuad Siniora, é um movimento xiita. As milícias do Hezbollah, que fizeram recuar as tropas de Israel, são financiadas pelo grande centro de pregação xiita, o Irã.

O Iraque também está na mira dos aiatolás iranianos. Aproveitando a guerra lançada por Bush no Iraque, o Irã resolutamente movimentou os peões xiitas no Iraque. Sob o governo detestável de Saddam Hussein, os sunitas eram os favoritos do regime iraquiano, mas hoje são os xiitas que têm influência. E o governo iraniano inflama ao máximo a guerra no Iraque, subvencionando as milícias xiitas e talvez até enviando comandos terroristas ao país vizinho.

Assim, o primeiro temor dos príncipes sunitas que governam a Arábia Saudita é que o Iraque caia na esfera de influência de Teerã, por intermédio do xiismo. Mas eles sabem que Teerã também sonha com o Líbano. Para Riad, é essa a aposta dos recentes distúrbios em Beirute: uma coalizão estranha, composta de libaneses pró-sírios e alguns cristãos (do general Michel Aun), associados aos xiitas do Hezbollah, que tenta derrubar o governo legal de Fuad Siniora. Para grande prazer dos aiatolás.

Há algumas semanas, intensos contatos vêm ocorrendo entre as principais capitais da região. O Irã enviou à Arábia Saudita um de seus diplomatas, Ali Larijani, responsável pelo Conselho de Segurança Nacional iraniano. Esse diplomata foi recebido segunda-feira em Riad, onde se reuniu durante sete horas com o príncipe Bandar Bin Sultan, seu homólogo saudita. E o encontro tratou quase exclusivamente da crise libanesa.

Os sauditas aproveitaram a ocasião para dizer aos iranianos que Riad não suportará mais as ingerências constantes do Irã nos países árabes, seja no Iraque, no Líbano ou mesmo nos territórios palestinos, por meio do Hamas. O discurso do príncipe Bandar Bin Sultan, irmão do rei Abdala, foi bastante duro, o que não causa espanto, já que ele é muito próximo dos americanos e sempre achou que não se deve fazer nenhuma concessão a Teerã.

Será que as autoridades em Teerã se deixarão convencer (ou intimidar) pelos príncipes sauditas? Optarão pela prudência? Ou, pelo contrário, continuarão fiéis a seu fanatismo, preferindo subir mais alguns degraus nessa escalada? Para além da conferência de Paris, que certamente é importante tendo em vista a falência financeira do Líbano, é nas camadas menos visíveis, nas rivalidades religiosas e políticas entre sunitas e xiitas, e assim entre Riad e Teerã, que está em jogo o destino do Líbano.