Título: Política fiscal expansionista
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2007, Economia, p. B2

Os números apresentados na semana passada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, não deixam dúvidas: as despesas correntes da União este ano crescerão, novamente, em ritmo mais rápido do que o da economia. Elas baterão um novo recorde. Como os investimentos públicos também serão substancialmente elevados, de acordo com o previsto no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a política fiscal de 2007 será nitidamente expansionista, com impacto na atividade econômica. Certamente, o Banco Central levará em consideração essa realidade ao definir a política de juros para os próximos meses.

Na sua exposição, durante o lançamento do PAC, Mantega estimou que os gastos com os benefícios previdenciários passarão de 8% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2006, para 8,2% do PIB em 2007. A despesa com a folha de salários do funcionalismo federal subirá de 5,2% do PIB para 5,3% do PIB. Ou seja, essas duas despesas aumentarão, em conjunto, 0,3 ponto porcentual do PIB, o que corresponde a R$ 6,8 bilhões. As duas representam 66% dos gastos primários totais da União, que não incluem o pagamento dos juros das dívidas públicas.

É bom lembrar que as estimativas do ministro da Fazenda foram feitas com base num crescimento da economia de 4,5% este ano. A maioria dos economistas e consultores do mercado não acredita que seja possível crescer tanto este ano. Nem mesmo o Banco Central, que projetou, em seu último boletim de inflação, um crescimento de 3,8%. Se a expansão econômica for mais modesta, o aumento das despesas em relação ao PIB será maior do que o estimado pela equipe de Mantega.

Haverá crescimento também das despesas com o seguro desemprego, o abono salarial, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) e com a Renda Mensal Vitalícia, que são todas vinculadas ao salário mínimo. Como todos sabem, o piso salarial foi reajustado em 16,6% no ano passado e será elevado em mais 8,6% a partir de primeiro de abril. As tabelas apresentadas pelo ministro não trazem projeções para esses gastos.

O PAC não prevê corte de outras despesas para compensar a elevação dos gastos com benefícios previdenciários, com o funcionalismo e com os benefícios assistenciais. Ao contrário, a previsão é de que haverá um forte aumento dos gastos com a educação, por causa da implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Além disso, o presidente Lula não quis propor uma regra reduzindo os recursos para a área de saúde.

Como não é possível cortar 0,3 ponto porcentual do PIB nas despesas de custeio da máquina pública, o sinal que Mantega mandou à sociedade foi o de que, pelo décimo terceiro ano consecutivo, os gastos da União aumentarão em ritmo maior do que a economia. A expectativa dos especialistas é a de que as despesas correntes da União, que ficaram em torno de 18,6% do PIB no ano passado, ultrapassem os 19% do PIB este ano.

A pressão sobre os gastos é maior pois o governo anunciou sua intenção de triplicar as aplicações do Projeto Piloto de Investimentos (PPI), que passarão de 0,14% do PIB em 2006 para 0,5% do PIB este ano. Desta forma, a ampliação das despesas primárias (não incluem apenas o pagamento dos juros das dívidas públicas) será de, no mínimo, de 0,66% do PIB (0,3% das despesas correntes mais 0,36% do PPI). Veja a tabela abaixo.

Mantega não informou, no entanto, sobre o outro lado da mesma moeda. A elevação substancial dos investimentos será coberta pela redução do superávit primário de 4,25% do PIB para 3,75% do PIB. Mas o ministro não esclareceu como será financiada a elevação das despesas correntes. Os números apresentados por Mantega sobre os gastos correntes apontam para um novo aumento da carga tributária em 2007. Ou seja, o desenho das contas públicas indica o contrário do discurso oficial em torno da desoneração tributária.

Até há pouco tempo, acreditava-se que o programa que Lula apresentaria à Nação tinha como objetivo principal reverter a trajetória das despesas dos últimos 12 anos. Há um consenso entre os economistas que somente com um maior controle dos gastos será possível reduzir a carga tributária, que sufoca o setor produtivo brasileiro. O objetivo do PAC, infelizmente, não foi este. Não há espaço fiscal para o alívio da carga tributária.

Os números de Mantega indicam que, a partir de 2008, o controle dos gastos com a folha de pagamento dos funcionários públicos abrirá espaço orçamentário para uma queda das despesas correntes em relação ao PIB. Em outras palavras: todo o ajuste fiscal do governo está sendo previsto para ocorrer em cima dos servidores, que não terão, de acordo com a fórmula apresentada, reajuste real de salários nos próximos 10 anos.

O problema que se descobriu, no entanto, torna mais grave ainda a estratégia fiscal adotada pelo governo Lula. Entre as medidas do PAC está o projeto de lei que regulamenta o artigo 41 da Constituição e cria o regime geral de previdência complementar do funcionalismo. Ainda não foi possível avaliar, em toda sua dimensão, o custo fiscal desse novo sistema, pois tudo dependerá das alternativas que forem adotadas pelo governo.

Há convicção na área técnica de que o custo será elevado e crescente, ao longo dos próximos anos. Isso significa que o ganho que será obtido com regra para os gastos com os salários do funcionalismo poderá ser absorvido pelas despesas do regime de previdência complementar. A União perderá a receita das contribuições previdenciárias dos novos servidores e, ao mesmo tempo, terá de contribuir, em nome da cada um deles, para o fundo de pensão. A trajetória fiscal é, portanto, preocupante.