Título: Emergentes tentam superar divergências
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2007, Economia, p. B3

Dois dias depois do anúncio, em Davos, da retomada das negociações da Rodada Doha, o G-20 (grupo de países emergentes) tenta superar suas diferenças internas e volta a debater uma estratégia para o bloco.

O grupo se reúne hoje na missão do Brasil em Genebra e o comissário europeu, Peter Mandelson, também deverá participar do encontro. A União Européia (UE) deverá apelar por flexibilidades por parte dos emergentes na abertura de seus mercados para que um acordo seja fechado.

No sábado, alguns ministros, entre eles o chanceler Celso Amorim, estiveram em Davos e anunciaram a retomada dos trabalhos na Organização Mundial do Comércio (OMC), paralisados desde julho. O processo fracassou diante da recusa dos EUA de aceitar os cortes de subsídios pedidos por Brasil e Europa. Já a UE não aceitava o corte de tarifas de importação para bens agrícolas, como queriam os EUA.

Mesmo com a retomada das negociações, a realidade é que pouco foi obtido nas conversas nos últimos dias em termos de concessões reais. Não por acaso, o anúncio da volta da renegociação foi recebido com ironia e desconfiança pelos mais de cem países que ficaram de fora de Davos. ¿Agora falta colocar conteúdo nesse anúncio¿, afirmou um diplomata da América Central.

Hoje, no encontro do G-20, diplomatas dos países que formam o bloco devem ainda pressionar o Brasil para que explique o que está ocorrendo, já que grande parte das reuniões está sendo promovida em sigilo entre Brasil, EUA e Europa, deixando vários governos de fora.

Muitos dos governos que fazem parte do G-20 não foram convidados para a reunião de Davos e ficaram de fora das decisões. Um deles é a Argentina, que não esconde a existência de diferenças entre sua posição e a brasileira sobre a OMC.

O que os argentinos se perguntavam ontem era até que ponto o governo brasileiro estava falando em nome do G-20 ou apenas em nome dos interesses do País em suas conversas com americanos e europeus nos últimos dias. Outro que vê ¿pressa¿ no Brasil em fechar um acordo na OMC é a Venezuela.

PRODUTOS SENSÍVEIS

Outro desafio do Itamaraty será começar a construir uma posição conjunta dos países do G-20 em relação aos produtos considerados sensíveis. Nesse ponto, o obstáculo seria convencer a Índia a reduzir as suas barreiras.

Os americanos alegam que somente poderiam promover um corte maior em seus subsídios se tivessem garantido maior acesso aos mercados dos países emergentes. Para isso, a Índia terá de aceitar novos cortes. Na missão brasileira, a esperança é de que Nova Délhi entenda que esse seria o momento de promover uma espécie de ¿flexibilidade tática¿.

As declarações de Amorim em Davos também levantaram sobrancelhas em Genebra. ¿O Brasil está pronto para negociar. Se o (diretor-geral da OMC) Pascal Lamy quiser nos fechar numa sala para que coloquemos números nas negociações, eu estou pronto para dar valores a todas as áreas de negociação¿, disse o ministro.

As declarações levantaram a suspeita entre algumas delegações de que o Brasil já teria garantido algum acerto para aumentar suas exportações tanto para os EUA como para a Europa. ¿Isso tudo é muita especulação. O Brasil não está negociando dessa forma¿, desmentiu o embaixador do País na OMC, Clodoaldo Hugueney. Mas ele mesmo alertou: não pode garantir que outros países - Europa e EUA - não estejam fazendo isso.

PRESSÃO

Mandelson, da União Européia, também foi convidado por Amorim a participar da reunião de hoje do G-20 para apresentar sua avaliação do processo e garantir a transparência das negociações.

Mandelson anunciou, em Davos, que tudo indica que um acordo na OMC estaria próximo das propostas feitas pelo G-20 no que se refere a cortes de tarifas e de subsídios. Mas a UE deve cobrar seu preço por isso e insiste na necessidade de os governos dos países emergentes abrirem seus mercados para produtos industriais.

Na semana passada, os europeus, discretamente, se reuniram com vários governos em Genebra para deixar claro que queriam um corte de tarifas de importação nos países emergentes de até 65%. Vários setores no Brasil, como o de automóveis e eletroeletrônicos, seriam duramente afetados se tal proposta fosse aprovada.

Os europeus também insistem que os países emergentes precisam voltar a debater a abertura dos mercados de serviços. Hoje, Amorim se reunirá mais uma vez com Mandelson e com a representante de Comércio Exterior dos Estados Unidos, Susan Schwab.

O QUE É A RODADA

A Rodada Doha é o ciclo de negociações comerciais iniciado em novembro de 2001, em Doha, no Catar, pela Organização Mundial do Comércio (OMC)

O objetivo é avançar na liberação do comércio de produtos agrícolas, com o corte de subsídios à agricultura (dinheiro público despejado na produção, distribuição e vendas) pelos governos dos países ricos e a redução de tarifas

A conclusão das negociações estava prevista para o fim de 2005, mas o prazo foi continuamente adiado por causa de divergências entre os países sobre o tamanho dos cortes de subsídios e tarifas. A última grande crise foi em julho de 2006. No sábado, em Davos, a rodada foi relançada