Título: Um cargo que abre todas as portas
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2007, Nacional, p. A5

No fim de 2002, o tucano Aécio Neves saiu de dois anos na presidência da Câmara, e três mandatos como deputado, para faturar facilmente o governo de Minas com 58% dos votos - cerca de 5,3 milhões -, já no primeiro turno. Em níveis mais modestos, seu antecessor no comando da Casa, o paulista Michel Temer (PMDB), também saltou de 80 mil votos na região de Tietê, interior do Estado, para 252 mil. 'Minha votação aumentou, depois de duas gestões seguidas, entre 1997 e 2000. E ao deixar o cargo me tornei presidente do partido, posto que ocupo até hoje', conta ele.

São apenas dois exemplos, mas revelam que há muito mais coisas em jogo cada vez que Aldo Rebelo (PC do B-SP), Arlindo Chinaglia (PT-SP) ou Gustavo Fruet (PSDB-PR) fazem suas promessas de campanha. Os três sabem, como todos os outros 510 deputados, que a presidência da Câmara, se bem aproveitada, não só lhes dá enorme poder como atrai todos os holofotes e é um salto garantido para a celebridade.

'Assim que chega lá, o sujeito se torna mais visto e mais visado. É saudado por todos os lados', resume Temer, que não só multiplicou seus votos como se transformou em ídolo eterno de Tietê. Foi o que ele percebeu num breve período em que assumiu a Presidência da República, quando Fernando Henrique Cardoso e seu vice, Marco Maciel, estavam fora do País. 'Minha cidade insistiu para que eu fosse até lá, em visita oficial. Como recusei, mandaram avisar: se Temer não vai a Tietê, então Tietê vai a Temer. Juntaram um grupo e foram visitar-me no Palácio do Planalto.'

Mas a mágica da cadeira pode funcionar, também, para o mal. Mais desinibido que Temer, outro presidente da Câmara, Paes de Andrade (PMDB), lotou um avião em Brasília e, numa viagem folclórica, foi até Mombaça, sua base eleitoral no Ceará. De seus dois anos de gestão, entre 1989 e 1991, essa é a única coisa que a maioria dos brasileiros lembra.

Os holofotes também custaram caro a Severino Cavalcanti (PP-PE). A propina cobrada pela concessão de um restaurante da Câmara talvez não se transformasse em escândalo nacional se ele, figura central do episódio, não estivesse no tão ambicionado cargo. Da mesma forma, o petista João Paulo Cunha (SP) não ficaria tão mal na fita, nos meses negros do mensalão, se não estivesse na cadeira que comanda a vida dos deputados.

No caso de Severino, o escândalo foi tão grande que ele optou por renunciar ao mandato, em 2005 para escapar de um processo de cassação na Comissão de Ética da Casa.

'Às vezes o ocupante do cargo parece apenas fazer figuração. Na verdade ele é como um maestro, sem o qual a orquestra não faz nada', resume o jurista Célio Borja, que presidiu a Câmara entre 1975 e 1977. 'A presidência dá um poder imenso', completa Célio Borja, que, a exemplo de Aécio e de Temer, viu seu eleitorado crescer depois de ocupar o posto. 'Passei de uns 55 mil para 90 mil votos para deputado, mesmo sendo da Arena e vivendo no Rio de Janeiro, onde a oposição ao regime militar, nos anos 70, era muito forte', conta.

O jurista guarda, daqueles dias, lembranças pouco felizes: 'Minha presidência foi muito sofrida. Fui convocado pelo presidente Geisel 'para abrir', como ele disse, mas senti que o processo de abertura apresentava dificuldades que eu não tinha condições de enfrentar.'

A celebridade pode vir, também, não como um benefício imediato, mas como um valor para a história. Líder da resistência civil à ditadura, Ulysses Guimarães, que presidiu a Câmara em três ocasiões - de 1956 a 1957, e duas vezes seguidas, entre 1985 e 1989, quando também presidiu a Constituinte, confundiu sua imagem com a do cargo.

No início do regime militar, o udenista Adauto Lúcio Cardoso recusou-se a reconhecer a cassação de 6 deputados - um ato de coragem que sumiu da paisagem política brasileira - e com isso obrigou o general Castelo Branco a decretar o recesso do Congresso, em outubro de 1966. Como recorda um estudioso da história parlamentar, o jornalista Rubem Azevedo Lima, na invasão do prédio Adauto barrou um oficial. 'Estou agindo em nome do poder militar', disse-lhe o invasor. 'E eu sou o chefe do poder civil', respondeu Adauto.

Às vezes, o cargo traz mudanças na auto-estima. Flávio Marcílio (1983-1985), numa viagem a Moscou, irritou-se ao chegar para um jantar no Kremlin com o então poderoso Leonid Brejnev e saber que dois jornalistas de sua comitiva não poderiam entrar. Indignado, reuniu todo mundo e foi embora. Minutos depois, um diplomata os alcançou, na Praça Vermelha, e os convenceu a voltar para o Kremlin - inclusive os jornalistas.