Título: 'Acabou o sistema de 3 ou 4 pessoas decidirem pelo PSDB'
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2007, Nacional, p. A8
O senador Tasso Jereissati (CE), presidente do PSDB, levará à Executiva tucana no segundo semestre uma proposta para que os futuros candidatos presidenciais sejam escolhidos em prévias partidárias. Entre os tipos de prévia, ele defenderá a adoção do sistema americano de eleições primárias. ¿O PSDB deixou de ser um partido pequeno, que tinha suas decisões baseadas em poucas pessoas. Isso não funciona mais¿, advertiu ele, em entrevista exclusiva ao Estado. Sobre o petit comité de cardeais que escolheu o candidato tucano em 2006, se penitenciou: ¿Foi a última vez que fizemos daquela maneira.¿
Essas mudanças, segundo Tasso, ganharam força depois do desastroso episódio em que o PSDB anunciou apoio ao candidato do PT à presidência da Câmara, Arlindo Chinaglia (SP), sem consultar as bases partidárias. ¿Esse episódio foi o último suspiro de um partido que tomava decisões a partir de poucas pessoas.¿ Antes de deixar a presidência, ele programa fazer um congresso - ao qual pretende trazer social-democratas de variadas latitudes, até da Índia - para atualizar o programa tucano.
Tasso manda um recado aos ¿mesmos de sempre¿, a turma do PSDB que, ¿sempre escondida no anonimato¿, bombardeia sua presença no cargo máximo do partido: não sai da presidência nem um dia antes do fim do seu mandato, em novembro. Eis a entrevista:
O PSDB perdeu a eleição presidencial, mas elegeu governadores de seis Estados e aumentou a bancada no Congresso. Por que o partido continua tão nervoso?
Eu não diria que o partido está nervoso, ele sofre as conseqüências de algumas mudanças importantes que aconteceram com ele. Primeiro, o PSDB deixou de ser um partido pequeno, que tomava suas decisões baseado em poucas pessoas. Os quatro anos de oposição nos deram um partido que, a meu ver, se solidificou. Um partido se solidifica na oposição, não no governo. A conseqüência é que deixamos de ser um partido que tem as suas decisões tomadas por um pequeno grupo e passamos a ser um partido bem mais complexo. Esse é o nosso PSDB. O grande desafio que temos agora é administrar esse nó.
O episódio da Câmara agitou o partido. Como o senhor viu o caso?
Houve uma decisão tomada por um pequeno número de pessoas, que achavam, a partir da antiga história do PSDB, que ela poderia ser definitiva. O PSDB não é mais isso. A reação foi gigantesca, em vários setores do partido, e se teve de voltar atrás. Esse episódio é um exemplo típico da transformação do PSDB. Não adianta mais eu me reunir com Fernando Henrique, Serra, Aécio, e tomarmos uma decisão, porque agora os temas perpassam as várias outras forças, que terão de ser ouvidas. Esse episódio foi o último suspiro de um partido que tomava decisões a partir de poucas pessoas.
Isso não funciona mais?
Isso não funciona mais, o partido é outro. Aqui no Congresso hoje você tem lideranças muito fortes e nos Estados também. Marconi Perillo em Goiás, Yeda Crusius no Rio Grande do Sul, Beto Richa e Gustavo Fruet no Paraná, Sérgio Guerra em Pernambuco. No Senado, Arthur Virgílio (AM) tem uma presença forte. Então, o partido não é mais aquele. O processo de escolha do candidato à Presidência em 2006, também foi a última vez que fizemos daquela maneira. Vamos ter de mudar isso.
Em 2010 vai haver prévia no partido para escolher o candidato?
Eu estou preparando um projeto para entregar ao partido, mudando o processo de escolha do nosso candidato a presidente. Ainda não tenho ele todo desenhado...
Em linhas gerais...
Em linhas gerais, uma prévia, uma escolha com participação muito mais ampla.
Votam os que têm cargo de representação, os filiados ou os eleitores simpáticos ao PSDB?
O formato ainda não está desenhado e também não sabemos qual será a escolha do partido. Eu, pessoalmente, acho que deveríamos adotar o sistema das eleições primárias americanas, mas quem vai decidir o formato final é o partido. O que é certo é que acabou o sistema de três ou quatro pessoas escolherem o candidato.
O novo sistema se estenderá às escolhas dos governadores?
Não necessariamente. Os governadores devem continuar sendo escolhidos pelas convenções estaduais. Não faz sentido que o novo processo se estenda a governadores e prefeitos.
Dizem no PSDB diz que os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, querem fazer oposição sem bater no presidente Lula. Isso é possível?
Isso é possível para governadores. O governador, até pelos interesses do Estado que representa, não pode estressar muito as relações com o governo federal. Já no Congresso é diferente. O PSDB é hoje um partido claramente de oposição ao governo e tem, como principal opositor político, o PT.
O PSDB ter candidato à presidência da Câmara foi um bom caminho ou apenas uma solução para evitar um racha sem precedentes?
Foi um caminho excelente, por várias razões. Primeiro, a questão da proporcionalidade já foi quebrada há muito tempo. A própria candidatura Arlindo Chinaglia não é resultante da proporcionalidade, o PT não é a maior bancada na Câmara. O presidente atual, Aldo Rebelo (PC do B-SP), não representava a proporcionalidade quando foi eleito. O presidente anterior a ele, Severino Cavalcanti, também não. O que é importante para o Congresso, agora, é restabelecer suas tradições, e isso começa por resgatar a credibilidade da Câmara, absolutamente arruinada. A candidatura de Fruet representa isso: a restituição da credibilidade da Câmara. E veja bem: aí está uma das mais brilhantes lideranças que o partido ofereceu ultimamente ao País e, reconhecidamente, um homem que tem lutado contra as confusões pouco recomendáveis que têm acontecido no Congresso.
Está na agenda do PSDB a realização de um congresso para atualizar o programa do partido. Como será esse congresso?
Essa idéia é minha, depois de uma conversa que tive com o presidente Fernando Henrique, a partir da avaliação que fizemos da campanha presidencial. Afora a questão ética, não ficaram muito claras para o eleitorado as diferenças de doutrinas ideológicas e posições partidárias. As privatizações foram o melhor exemplo: se tornaram o bicho-papão da eleição, viraram um palavrão. E o PT não disse claramente se era contra ou a favor...
Nem o PSDB...
Exatamente, nem o PSDB. Então nós precisamos atualizar o programa do partido. Quando o PSDB fez seu programa, ainda havia o Muro de Berlim e a social-democracia tinha uma visão dividida entre o capitalismo de cá e o comunismo de lá. Hoje o mundo mudou completamente e a social-democracia também tem de mudar, porque o mundo não está mais dividido. No aggiornamento do nosso programa, temos de deixar bem claro o tipo de capitalismo que queremos para o País, qual o papel do Estado, qual o papel da empresa privada. Até para que essas coisas sejam discutidas com maior clareza nas próximas eleições, e não fiquem na zona cinzenta que nós ficamos em 2006. Nós queremos trazer gente de fora para discutir a social-democracia de hoje na Espanha, Portugal, Alemanha e até na Índia.
Há quem fale em março, há quem fale no segundo semestre. Quando será o congresso?
Quem vai decidir é a Executiva do partido. Esta semana tiramos um grupo que vai, junto com o presidente Fernando Henrique - que será o articulador intelectual, mas não o operacional -, comandar o cronograma de reuniões em todo o País, que produzirá contribuições para o congresso. Com certeza, não dará tempo de fazer antes de julho.
Há setores do partido que se dizem insatisfeitos com sua gestão. O senhor vai deixar a presidência do PSDB antes do prazo?
Não existe essa possibilidade. Eu não vou sair da presidência do PSDB nem um dia antes. Nós nos determinamos algumas missões: o novo programa, uma reestruturação administrativa e a aprovação de um nova processo para escolher o candidato à Presidência. O término dessas missões vai coincidir com o fim do meu mandato. Em novembro, como está previsto, nem um dia a mais, nem um dia a menos, haverá a convenção nacional para escolher a nova direção.
O senhor está à vontade na presidência do PSDB?
Faz parte do exercício de qualquer cargo executivo a insatisfação de alguns e a satisfação de outros. A insatisfação de alguns tem se repetido pela imprensa. Se você observar, são sempre os mesmos, um grupo muito, muito reduzido, que raramente se identifica em público, sempre escondido sob o anonimato - ¿um importante líder do PSDB¿, ¿um prócer tucano¿, etc. Diante do universo complexo que são os tucanos, eu considero isso até bom. Quando fui governador do Ceará, aprendi o seguinte: quando você tem todo mundo satisfeito com o seu governo, ou está cometendo algum erro ou faz um governo muito medíocre, não está incomodando ninguém. Quando incomoda, é porque está mudando. Eu entendo, temos de conviver com isso. Mas sei que o centro de decisão do partido mudou.
O Estado publicou na semana passada que o ex-presidente Fernando Henrique sonha toda noite com a chapa Serra-Aécio para 2010. O senhor aposta na dobradinha?
Olha, eu colocaria o seguinte: o presidente Fernando Henrique é uma referência política que eu tenho na vida, um homem que mudou o Brasil. Tenho a maior facilidade de diálogo político com ele. Os seus sonhos são sempre respeitáveis. Mas o partido hoje não depende apenas do sonho de Fernando Henrique, do meu ou de qualquer outro sonho. O PSDB hoje é muito complexo e é isso que vai prevalecer no novo processo de decisão que nós vamos propor ao partido.