Título: 'Deve-se construir estrada, não muro'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2007, Internacional, p. A17

O sr. assumiu o cargo há sete semanas numa cerimônia tumultuada, protegido por guarda-costas e dentro de um Parlamento cercado por barricadas. Seu rival, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, do PRD, proclamou-se presidente alternativo do país. O México agora tem dois chefes de Estado?

Não. Numa eleição democrática, só pode haver um vencedor. Eu sou o presidente.

Sua vantagem sobre López Obrador nas eleições de julho foi muito pequena, de 0,58% dos votos. Seus detratores reclamam de fraude eleitoral. Por que o sr. não aprovou uma recontagem?

A eleição foi monitorada rigorosamente por observadores nacionais e internacionais. O número de urnas verificadas foi o máximo permitido pela nossa legislação eleitoral. Felizmente, agora, uma esmagadora maioria dos mexicanos nos apóia.

Quase metade dos mexicanos vive na pobreza e 11 milhões, dos 105 milhões de habitantes, não têm emprego fixo. Como o sr. pretende criar empregos para eles?

Isso será possível se atrairmos investidores para o México. Os especialistas pressupõem que o México pode elevar-se ao status de quarta maior economia do mundo em 2050. Mas antes temos de baixar nossos custos de produção. A energia é muito cara e a carga tributária é muito alta. Mas, acima de tudo, temos de criar um sistema jurídico confiável e coibir a criminalidade.

Recentemente, governos de esquerda assumiram o poder em muitos países latino-americanos, e a esquerda mexicana também está mais forte do que nunca. O neoliberalismo fracassou?

Não sou um neoliberal. O livre mercado é uma condição para o crescimento, mas sozinho não é suficiente. O Estado tem de criar condições iguais para todos. Alguns países latino-americanos estão indo depressa demais. Na Venezuela, por exemplo, o governo agora quer nacionalizar empresas e setores importantes. O presidente pretende se eternizar no poder. Esse tipo de coisa contradiz os princípios da democracia e da economia de mercado.

Hugo Chávez prega um ¿socialismo do século 21¿ e apimenta seus discursos com comentários antiamericanos. Conservadores como o sr. agora estão isolados na América Latina?

Respeito as simpatias e antipatias dos outros países. Hoje o antiamericanismo está na moda no mundo todo. Alguns políticos latino-americanos estão usando isso em seu favor. O México, por outro lado, pode exercer um papel de liderança na estabilidade regional. A América Latina está numa encruzilhada - temos de escolher entre o passado e o futuro. O passado significaria um retorno aos sistemas controlados pelo Estado e uma política econômica irresponsável - uma volta ao autoritarismo. Mas nosso futuro está em fortalecer a democracia, o Estado de Direito e a competitividade econômica - e com uma política que tenha por alvo a igualdade de oportunidades.

Na Nicarágua, na posse de Daniel Ortega, o sr. disse que o coração do México bate dentro da América Latina. Isso quer dizer que os EUA não mais gozam de prioridade porque está sendo dada mais atenção ao sul do continente?

Sim, queremos reorientar nossa política externa. Ao mesmo tempo, somos o único país latino-americano que, geograficamente, faz parte da América do Norte. Devemos tirar vantagem desta localização entre a América do Norte e a do Sul, entre o Atlântico e o Pacífico. É a melhor forma de reduzir nossa dependência dos Estados Unidos.

Cerca de 500 mil mexicanos migram anualmente para os EUA para tentar a sorte lá. Agora a administração Bush quer construir uma barreira de 1.100 quilômetros ao longo da fronteira.

É difícil acreditar que está sendo construído um muro no Arizona e no Texas apenas 17 anos depois que o mundo celebrou a queda do Muro de Berlim. Existem razões sociais e econômicas para a migração para os EUA. É uma conseqüência natural da globalização. Além disso, as economias norte-americana e mexicana se complementam mutuamente - eles têm o capital e nós temos a mão-de-obra.

Atualmente, os imigrantes mexicanos nos EUA transferem cerca de US$ 24 bilhões por ano para o México. É a segunda maior fonte de divisas do país depois do petróleo.

Se os americanos investissem mais aqui, os trabalhadores mexicanos não partiriam. Faz mais sentido construir um único quilômetro de rodovia num Estado mexicano subdesenvolvido do que construir 10 quilômetros de muro.

Cada vez mais. o sr. está confiando aos militares mais responsabilidade no combate às drogas. Mas será que os soldados não podem também ser subornados?

É claro que não posso garantir nada sobre isso, mas asseguro que eles serão rigorosamente controlados.