Título: Líderes vivem crise de credibilidade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2007, Internacional, p. A12

O atentado de ontem em Eilat - depois de nove meses de ausência de ataques mortíferos israelenses - é um ingrediente que se soma ao inferno astral que a política israelense atravessa nos últimos tempos. ¿Há algo de errado no reino de Israel¿, definiu na quarta-feira, parafraseando Shakespeare, o veterano apresentador do Canal 1 Haim Yavin, há 30 anos o rosto mais famoso da TV israelense.

Horas antes, todas as TVs e rádios do país haviam transmitido, ao vivo, um furioso discurso de 45 minutos do presidente Moshe Katsav, no qual ele tentou se defender das mais graves acusações já feitas a um político israelense, que incluem estupro e assédio sexual denunciados por quatro ex-funcionárias.

O comentário do apresentador, no entanto, não se referia apenas a Katsav, que se afastou temporariamente do cargo. Uma série de escândalos envolve a cúpula israelense e agita o país. O resultado é uma crise de credibilidade sem precedentes no governo e em instituições como o Parlamento, as Forças Armadas e a Receita Federal.

¿A sensação é a de que a maioria dos políticos passou a colocar o bem-estar pessoal antes do público. Não há transparência nem tomada de responsabilidade em caso de erro. Isso pode ser normal em outros países, mas aqui é novidade, principalmente na escala atual¿, disse o advogado Michael Parten, vice-presidente do Movimento para a Melhoria do Governo, ONG que se destaca por exigir na Justiça a renúncia de líderes corruptos, ineficientes ou, no caso do presidente, indecorosos ao extremo.

No topo da lista da ONG está o primeiro-ministro Ehud Olmert, envolvido em casos de corrupção e tráfico de influência. Olmert, cuja popularidade atual é de meros 14%, também é investigado por ineficiência na condução do conflito com a guerrilha libanesa Hezbollah, em julho, visto pela maioria dos israelenses como uma das maiores derrotas militares desde a criação do Estado judeu, em 1948.

Junto com ele na investigação estão o ministro da Defesa, Amir Peretz, e o ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Dan Halutz - que renunciou dia 16 sob forte pressão do público. Outros escândalos recentes envolvem o ex-ministro da Justiça Haim Ramon, que renunciou sob acusação de assédio sexual, e o secretário da Receita Federal, Jacky Matza, em prisão domiciliar por suspeita de concessão de benefícios a empresários, caso que também envolve a secretária do escritório do primeiro-ministro, Shula Zaken.

A multiplicação dos casos se reflete nas pesquisas de opinião. Na quinta-feira, o maior jornal do país, o Yedioth Aharonot, divulgou que 71% dos israelenses desejam a renúncia imediata de Katsav, cujo cargo, apesar de meramente simbólico, é respeitado pelo povo. Na semana anterior, o alvo das enquetes foi Olmert, enfraquecido pela renúncia de Halutz. Segundo pesquisa do Canal 10, 69% querem que o premiê siga o exemplo do ex-comandante do Exército e deixe o cargo.

As pesquisas são mais do que um sinal dos tempos. Olmert não é o único primeiro-ministro israelense a ser investigado: Ariel Sharon, Ehud Barak e Binyamin Netanyahu também enfrentaram acusações de corrupção. Portanto, há mais de uma década o público acompanha inquéritos de líderes que deveriam estar acima de qualquer suspeita. Não é a toa que o grau de credibilidade da liderança como um todo tenha caído. Isso explicaria por que, apesar dos escândalos atuais, poucos israelenses protestam nas ruas.

FIM DA EUFORIA

¿A expectativa das pessoas em relação aos políticos mudou¿, analisa Reuven Hazan, professor de ciências políticas da Universidade Hebraica de Jerusalém. ¿Nas décadas de 50, 60 e 70, quando o entusiasmo da criação do Estado judeu ainda estava no auge, os históricos líderes nacionais como David Ben Gurion e Golda Meir criaram a imagem de políticos identificados com o povo, que se sacrificavam pelo bem geral. Agora, política é sinônimo de `corrupção¿ e `cinismo¿. O novo conceito tornou os israelenses um tanto apáticos e indiferentes¿, acrescentou o professor.

Para Hazan, o processo que levou a atual crise de confiança começou na década de 80 e deveu-se a três fatores: o fim do monopólio da imprensa estatal, a abertura da economia nacional e a modificação das leis eleitorais. No caso da imprensa, a criação de canais de TV privados alimentou a sede por revelações picantes sobre o alto escalão. ¿A liberdade de expressão ajuda a criar a sensação de podridão por vezes exagerada.¿

Em termos econômicos, a globalização deixou sua marca em Israel com o enriquecimento de poucos - principalmente na área de alta tecnologia - às custas do empobrecimento de muitos. Hoje, uma em cada quatro famílias israelenses vive abaixo da linha de pobreza, o que evidencia o fracasso das políticas sociais nas últimas duas décadas. São mais de 1,6 milhão de pobres em meio a uma população de 7 milhões.

Finalmente, a busca por fortuna num mundo globalizado acabou se misturando com política após a criação de leis eleitorais que incentivam candidatos a buscarem financiamento milionário para suas campanhas eleitorais. ¿É dessa simbiose entre capital e política que nasceram os principais escândalos de corrupção dos últimos anos¿, afirma Hazan.

Para alguns, porém, o ovo da serpente é outro: o constante conflito entre Israel e palestinos, principalmente a ocupação da Cisjordânia e das Colinas do Golan, que este ano completa quatro décadas - além da Faixa de Gaza, deixada por Israel em 2005. ¿A ocupação de terras e o controle de outro povo corrompeu a sociedade israelense e seus líderes. Agora sentimos os resultados dessa imoralidade¿, diz Yoav Peled, da Universidade de Tel-Aviv.

¿A cúpula do país aprendeu a mentir e a fazer uso da força bruta. O resultado é uma geração de políticos que desdenha da opinião pública e não acredita em transparência¿, ataca. O desgaste de Israel diante da opinião pública internacional, segundo ele, também cumpre papel importante na sensação de que está tudo errado no país.

Mas, apesar de todas as críticas, muitos israelenses encontram certo consolo no fato de os escândalos estarem sendo investigados pela polícia e analisados pela Procuradoria-Geral de Justiça. Isso denotaria que pelo menos não há impunidade no país. ¿O episódio Katsav provou que o sistema imunológico israelense ainda está funcionando e é capaz de vomitar o mal que existe dentro da sociedade¿, analisa o jornalista Ari Shavit, do jornal Haaretz. ¿Mas só quando outros casos forem completamente esclarecidos saberemos se Israel está começando a se purificar¿, acrescentou.