Título: Erros no Iraque repercutem na crise com Teerã
Autor: Sanger, David E.
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/01/2007, Internacional, p. A14

À medida que o presidente americano, George W. Bush, e seus assessores analisam a escalada da crise com o Irã, descobrem que tanto as palavras como a estratégia que estão usando são ecos persistentes de quatro anos atrás - quando as advertências envolvendo atividades terroristas e ambições nucleares foram um prelúdio da guerra com o Iraque.

Eles insistem que, desta vez, é diferente. "Não estamos em busca de uma guerra com o Irã", disse o subsecretário de Estado Nicholas Burns, na sexta-feira, horas após Bush ter repetido sua advertência para que o Irã pare de "matar nossos soldados" e pare sua busca por combustível nuclear.

Burns, referindo-se às palavras de Bush, insistiu que Washington ainda está engajado no "caminho diplomático", embora adote uma estratégia mais agressiva, detendo iranianos no Iraque e procurando privar o Irã dos fundos necessários para revitalizar sua indústria petrolífera.

Segundo Burns, são medidas defensivas que não buscam provocar o Irã, embora, nos bastidores da administração, tenha ocorrido um grande debate sobre os riscos de as novas confrontações se intensificarem, particularmente se o Irã revidar.

Em Washington, muitas pessoas, especialmente entre os democratas críticos de Bush, entendem que esta nova abordagem com relação ao Irã tem todas as características de um governo novamente disposto a ir à guerra. Alguns vêem aí uma tentativa de criar uma distração política, desviando a atenção de uma guerra que deu errado no Iraque para um país que vem habilmente explorando as dificuldades dos EUA a fim de expandir sua influência. Outros suspeitam que se trata de um esforço para desviar a culpa pelo caos vertiginoso no Iraque, enquanto um número enorme de autoridades, desde o diretor da CIA até o novo secretário da Defesa, cita dados da inteligência segundo os quais os iranianos estão contrabandeando para o Iraque dispositivos explosivos sofisticados e planos detalhados para aniquilar bairros sunitas.

Até agora não foram apresentadas evidências disso. Esta semana em Bagdá, as autoridades militares americanas devem comprovar alegações de que os esquadrões de elite do Irã estão por trás de muitos dos ataques no Iraque, com base em material apreendido em recentes buscas feitas pelas tropas americanas.

Alguns funcionários do governo Bush admitiram que estão confrontando o amargo legado das distorções dos dados de inteligência ocorridas antes da guerra com o Iraque. Abordando a questão com a condição de não terem seus nomes divulgados, esses funcionários disseram que a credibilidade do governo ficou profundamente prejudicada - o que, por exemplo, impede Bush de falar publicamente sobre as evidências que dão apoio a suas afirmações de que o objetivo do programa de enriquecimento de urânio do Irã é a produção de uma bomba e não a geração de eletricidade.

"Nunca foi dito explicitamente, mas não conseguimos, claramente, defender nossos argumentos sobre as intenções do Irã", disse um importante estrategista, que passou a cooperar com o governo muito tempo depois de ficar provado que o Iraque não tinha nenhuma das armas ilícitas que a Casa Branca citou como motivo para iniciar a guerra.

Agora, anos depois, o governo está pagando o preço ao lidar com um país cuja capacidade em termos de projetos de energia elétrica e de criação de um programa nuclear sofisticado é bem maior do que a de Saddam Hussein em 2003. O governo americano não tem provas definitivas de que o Irã esteja procurando produzir uma bomba nuclear, mas deve revelar esta semana o que as autoridades dizem ser provas da intromissão do Irã no Iraque.

Em entrevistas nas últimas semanas, funcionários do Pentágono e do Departamento de Estado insistiram que a meta de Bush no Irã não é depor o governo, mas intimidá-lo. Autoridades familiarizadas com os dados de inteligência entregues a Bush dizem que, segundo avaliações feitas pelos americanos, o Irã se vê como chefe de uma aliança para expulsar os EUA do Iraque e, no final, do Oriente Médio. Segundo outros dados, Rússia e China nunca se dispuseram a participar de um programa de sanções econômicas contra um país com o qual realizam negócios. Portanto, se Bush quiser exercer uma pressão econômica e militar, terá de fazer isso fora do âmbito da ONU.

Em conseqüência, optou-se por uma estratégia aprovada por Bush no ano passado para fazer pressão em todas as frentes e obrigar o Irã a recalcular o que as autoridades chamam de ¿relação custo-benefício¿ de desafiar os EUA. Os esforços para impedir que bancos europeus e japoneses emprestem dinheiro para o setor petrolífero iraniano fazem parte da equação. Também se está forçando uma queda no preço do barril do petróleo. Quando questionadas sobre se os EUA discutiram com a Arábia Saudita os benefícios de produzirem a quantidade necessária de petróleo para forçar a queda do preço, e assim privar o Irã de receitas, as autoridades silenciaram.

Mas é o componente militar da estratégia que envolve os maiores riscos. Dois porta-aviões, com suas equipes de combate, foram enviados para o Golfo Pérsico, disse uma autoridade militar do alto escalão, ¿para lembrar os iranianos de que também estamos concentrados neles¿. As forças militares americanas no Iraque foram autorizadas a investir contra agentes iranianos, embora não esteja claro quais provas de que essas pessoas estariam tramando conspirações são necessárias para a ação militar ser lançada.