Título: A saúde dos servidores
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2007, Notas e Informações, p. A3

Entre janeiro e junho de 2006, conforme dados do Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento, 25,8% das aposentadorias concedidas a servidores públicos decorreram de doenças que incapacitam para o trabalho. Trata-se de um porcentual absurdamente elevado, mas que guarda relação com uma outra distorção: no INSS também há um alarmante número de pagamentos de auxílio-doença aos trabalhadores. Nos dois casos, as aposentadorias por invalidez e as pensões pressionam as contas fiscais.

Entre janeiro e novembro de 2006, o INSS - cujo déficit no ano passado foi de R$ 42 bilhões - pagou 2,7 milhões de benefícios por invalidez, equivalentes a 20% de um total de 13,4 milhões, segundo reportagem do Estado publicada dia 8 de janeiro. No setor público, o porcentual das aposentadorias por invalidez tem sido ainda mais elevado - o que tem surpreendido os técnicos do Ministério do Planejamento.

Não é para menos. As situações dos trabalhadores privados e públicos são diferentes. Na iniciativa privada, algumas atividades trazem riscos para a saúde - como, por exemplo, o trabalho na mineração, em indústrias que operam com poluentes e até na construção civil. No setor público federal atividades desse tipo são raras.

O diretor de Relações do Trabalho da Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Vladimir Nepomuceno, argumenta que não há indícios da existência de uma indústria de fraudes - que, acrescente-se, já foi descoberta no INSS. O que há, afirma ele, são regras especiais que regem o trabalho dos servidores públicos. A explicação não basta para entender o que se passa. Regras que beneficiam exageradamente os servidores e os estimulam a se aposentar devem ser corrigidas, mas nada têm a ver com doenças funcionais.

A exemplo do que se passa com os auxílios-doença no INSS, as situações não são novas. Entre 1996 e 1998, oscilou entre 7,8% e 9,4% o porcentual dos servidores públicos aposentados por invalidez. Mas esse porcentual atingiu 21,1% em 1999 e 30,6% em 2000. Depois disso, oscilou entre 24,7% em 2002 e 29,1% em 2005. Apenas em 2003 ficou bem abaixo desse porcentual (13,1%).

No setor público, os servidores afastados por invalidez recebem pensão proporcional ao tempo trabalhado - que pode corresponder à remuneração integral -, além de isenção do pagamento do Imposto de Renda. E algumas doenças, há muito curáveis, como a tuberculose, ainda são consideradas ¿incapacitantes¿ no setor público, justificando a aposentadoria com proventos integrais.

O Ministério do Planejamento quer coibir os exageros e, evidentemente, as fraudes. Nos próximos dois meses, pretende iniciar um programa de saúde ocupacional para os servidores públicos. Serão avaliados os ambientes de trabalho para identificar os riscos à saúde dos funcionários. Em seguida, as aposentadorias por invalidez serão revisadas e, havendo irregularidades, os benefícios concedidos nos últimos cinco anos serão cancelados.

Essas são providências óbvias, aliás, previstas no Estatuto do Funcionalismo. Além delas, o governo pretende convocar os sindicatos dos servidores públicos para debater o problema, antes de elaborar um projeto de lei para mudar as regras de afastamento por invalidez. A discussão parece fazer parte da tradição assembleísta do PT.

No INSS, a tarefa de correção está bem mais adiantada. O Ministério da Previdência propôs mudanças na fórmula de cálculo do auxílio-doença - o projeto está no Congresso e agora faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento -, para evitar que os beneficiários recebam, enquanto se recuperam, mais do que estavam recebendo quando estavam em atividade. Esses benefícios custam, hoje, mais de R$ 1 bilhão por mês aos cofres públicos.

Uma das principais funções do sistema previdenciário é socorrer os segurados que adoecem até que se restabeleçam ou pagando-lhes uma aposentadoria compatível com o tempo de serviço. O que não se pode admitir são as brechas nos regulamentos que estimulam os trabalhadores a simular doenças e até incapacitações.