Título: Duas frentes da Rodada Doha
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2007, Notas e Informações, p. A3
O s principais negociadores vão ter de batalhar em duas frentes para fechar um acordo global de comércio e salvar a Rodada Doha. Além de buscar o entendimento entre 150 governos, terão de vencer a resistência de congressistas, empresários e agricultores de seus países. Nesta frente, as manobras começaram na segunda-feira, dois dias após 28 representantes de alto nível, reunidos em Davos, na Suíça, terem anunciado um novo esforço para desencalhar as negociações emperradas há seis meses.
Nos Estados Unidos, a Casa Branca pediu ao Congresso a renovação da autoridade especial para o presidente assumir compromissos comerciais. Na Europa, ministros da França, da Grécia, da Polônia e da Irlanda acusaram o representante da União Européia, Peter Mandelson, de ter cedido ao lobby de países liderados pelo Brasil e de ter abusado de seu mandato na busca de um entendimento sobre o comércio agrícola.
A acusação foi feita em Bruxelas, durante reunião dos ministros de agricultura do bloco. A comissária de Agricultura da União Européia, Mariann Fischer Boel, saiu em defesa de Mandelson, com apoio de representantes da Alemanha e da Grã-Bretanha.
A França, maior potência agrícola do continente, é também a maior beneficiária dos subsídios concedidos com dinheiro do orçamento comunitário. Polônia, Grécia e Irlanda também estão entre os países mais favorecidos pelas subvenções. O governo francês tende a ser especialmente rígido em relação a concessões comerciais, neste ano, por causa das eleições presidenciais. Em visita ao Brasil nesta semana, a ministra do Comércio da França, Christine Lagarde, certamente conversará sobre o assunto com autoridades brasileiras.
Nos Estados Unidos, o governo terá de enfrentar dois problemas. O primeiro será obter a renovação da Autoridade para Promoção Comercial (TPA, na sigla original). A TPA deve expirar no dia 1º de julho. Quando o Executivo dispõe desse instrumento, o Congresso pode aprovar ou rejeitar os acordos, mas não pode alterá-los. O presidente George W. Bush tentará obter um mandato semelhante ao atual, sem as condições adicionais pretendidas pelos democratas. Essas condições incluem a adoção de cláusulas trabalhistas e ambientais nos pactos de comércio.
A representante dos Estados Unidos para Comércio Exterior, Susan Schwab, disse em Davos ter a esperança de obter uma renovação da TPA sem condições adicionais - pelo menos para a negociação da Rodada Doha. Cláusulas sociais e ambientais provavelmente serão incluídas nos cardápios de acordos bilaterais.
Talvez a embaixadora Susan Schwab tenha sido otimista nessa avaliação, mas ela parece haver descoberto o caminho para o entendimento com os lobbies do setor agrícola e com os parlamentares. Ela pretende, segundo comentou em Davos, discutir o acordo em termos mais claros para os agricultores, deixando de lado a linguagem técnica e procurando mostrar em termos concretos as possibilidades de ganhos com um novo acordo global de comércio.
'Mostre-me o dinheiro, mostre-me como os agricultores americanos poderão ganhar', teria dito o deputado democrata Collin Peterson, presidente da Comissão de Agricultura da Câmara de Representantes, depois de uma visita à Casa Branca. A negociadora Susan Schwab declara-se pronta para responder a essa pergunta.
O segundo problema será conciliar o projeto da nova lei agrícola com os objetivos da Rodada Doha. Está prevista para hoje a apresentação do projeto pelo secretário de Agricultura Mike Johanns. Se o Executivo não engajar o Congresso no esforço a favor da rodada, os parlamentares tenderão a moldar a nova lei sem levar em conta os objetivos da liberalização.
As diferenças entre os emergentes também continuarão complicando as negociações. O Grupo dos 20, formado por iniciativa do Brasil para defender a abertura dos mercados para produtos agrícolas, é muito menos homogêneo quando se trata de apresentar concessões aos parceiros do mundo rico. O chanceler brasileiro, Celso Amorim, terá um trabalho extra para tentar a harmonização de posições. Apesar de tudo, é preciso apostar na salvação da Rodada Doha. A alternativa - nenhum acordo - poderia ser muito custosa para todos.