Título: A pressão dos governadores
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2007, Notas e Informações, p. A3

Quando convocou os governadores para uma reunião na qual sugeriria o início de nova discussão sobre reforma tributária e pediria apoio ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prendeu-se numa armadilha da qual agora procura se libertar. Os governadores resolveram unir-se não para manifestar-se sobre o PAC, mas para aproveitar a oportunidade que seu lançamento criou para defender seus interesses.

Com muitos Estados às voltas com sérios problemas financeiros, inclusive para o pagamento do salário do funcionalismo, os governadores estão mais preocupados em descobrir fontes de receita que tragam algum alívio para seus cofres do que em servir de anteparo político para iniciativas de Lula.

Era natural, por isso, que, antes de manifestar apoio conjunto ao PAC, eles apresentassem ao governo central a conta de suas necessidades imediatas e de suas ambições futuras. E assim fizeram. Até agora, como contabilizou a reportagem do Estado, a conta chega a R$ 15,5 bilhões por ano, e tende a subir à medida que for sendo completada a lista de pedidos.

Em tese, os governadores têm poder sobre as bancadas de seus Estados. Na prática, porém, esse poder é limitado, porque a maioria dos congressistas não age de acordo com a orientação do governador de seus Estados, e sim conforme os interesses de seu partido ou do grupo parlamentar do qual faz parte. Nem por isso é desprezível a força dos governadores, daí o interesse do governo central em obter seu apoio para o PAC. Os governadores, de sua parte, procuram valorizar ao máximo seu papel, por meio de reuniões nas quais definem seus interesses comuns, que são muitos - embora conscientes de que não tem sentido usar o PAC como instrumento de chantagem contra Brasília.

O que eles querem é abocanhar uma fatia maior do bolo tributário - e, para não parecerem exclusivistas, falam também em aumentar a fatia que cabe às prefeituras. Por exemplo, os governadores querem que a União abra mão de 30% da arrecadação da CPMF, sendo 20% em favor dos Estados e 10% para os municípios. Só aí são R$ 9,6 bilhões (no ano passado, a CPMF rendeu R$ 32 bilhões para o governo).

A lista de pedidos dos governadores inclui o aumento do repasse para compensar o que eles chamam de perdas com a desoneração das exportações determinada pela Lei Kandir. Logo depois de aprovada essa lei, os Estados receberam R$ 6,3 bilhões; o repasse anual agora é de R$ 4,3 bilhões, mas os governadores querem elevá-lo para R$ 9 bilhões. Alegam que esse valor corresponde à metade do que poderiam arrecadar se cobrassem ICMS das exportações. Não levam em conta, entretanto, o fato de que, se o imposto fosse cobrado da forma antiga, certamente as exportações seriam menores do que são.

Eles querem também uma fatia maior da arrecadação da Cide, de 19% para 46%, o que significa aumento de R$ 1,1 bilhão no repasse anual, e uma nova fórmula para a partilha dos recursos do Fundeb, o que aumentaria em R$ 1,9 bilhão a fatia que os Estados têm a receber anualmente. Outra reivindicação é o alívio nas condições de pagamento das dívidas negociadas com a União.

O que o contribuinte quer saber é como ficarão as contas do governo federal se os pedidos dos governadores forem atendidos, ainda que parcialmente. Sem reforma profunda do regime fiscal brasileiro, que envolva a partilha da arrecadação tributária e das responsabilidades entre os três níveis de governo, não se evitará o desequilíbrio das finanças da União. Qualquer centavo de que o governo Lula abrir mão em favor de Estados e municípios precisará vir acompanhado ou de aumento da receita, o que significará mais impostos, ou de corte equivalente nas despesas da União, com a transferência de encargos e serviços para os Estados. Mas com isso não devem concordar os governadores.

De qualquer forma, a decisão de apoiar ou não o PAC não pode ser resultante de uma barganha, mas sim da avaliação do que ele representa para o interesse público. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, sabe disso, como mostra sua resposta à pressão dos governadores: 'Não há recursos para tudo isso que está sendo pedido.'