Título: Aumento do calor pode afetar mais de 3 bilhões
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Fonte: O Estado de São Paulo, 31/01/2007, Vida&, p. A15

Milhões de pessoas enfrentarão fome e escassez de água em 2080 por causa do aquecimento global, segundo dados preliminares de um relatório sobre o clima da Terra, publicados por um jornal australiano.

Parte de um documento em processo de finalização, eles indicam que as mudanças climáticas reduzirão o abastecimento de água na China, Austrália e partes dos Estados Unidos e da Europa. Entre 1,1 bilhão e 3,2 bilhões de pessoas devem ser afetadas com um aumento de 2°C a 3°C na temperatura média do planeta - previsão considerada realista pelos cientistas.

A informação só será confirmada em abril, com a divulgação do segundo capítulo do novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), sobre conseqüências do aquecimento global e da adaptação a ele. O jornal The Age, que teve acesso a um rascunho, adiantou a previsão. O primeiro capítulo, sobre a física ligada ao efeito estufa, sai depois de amanhã, em Paris.

Segundo o jornal, de 200 a 600 milhões de pessoas em todo o mundo vão sofrer com a redução da disponibilidade de comida em 70 anos. O aumento do nível dos oceanos, provocado pelo derretimento do gelo polar, atingirá 7 milhões de casas.

¿Cada região da Terra será exposta¿, diz Graeme Pearman, um dos autores do relatório do IPCC. ¿Se olharmos a China, ela perderá um volume significativo de chuva em suas áreas agrícolas, assim como a Austrália.¿ A África e países pobres, como Bangladesh, serão mais afetados porque têm menos capacidade de lidar com grandes perdas costeiras e seca.

REALIDADE

A informação, mais do que alarmista, já é considerada real pelos 154 países que apóiam o IPCC. Neste momento, eles estão reunidos com os principais cientistas do mundo para fechar os últimos detalhes da divulgação do primeiro capítulo do 4º relatório do painel.

Nem mesmo os Estados Unidos e a Austrália - opositores notórios à contenção dos gases do efeito estufa - ainda negam as projeções. O melhor exemplo veio do presidente americano, George W. Bush, que na semana passada assumiu a necessidade de seu país diminuir o uso de petróleo e investir em fontes alternativas de energia.

No primeiro capítulo, o IPCC mostrará que não há mais dúvidas sobre a responsabilidade do homem no aquecimento global. Há milhares de anos a Terra não enfrenta uma situação deste gênero - com a diferença de que hoje existem 6,5 bilhões de pessoas que dependem de um sistema climático equilibrado.

Segundo o painel, a temperatura média subirá de 2°C a 4,5°C até 2100, com melhor previsão de 3°C. Parece pouco à primeira vista, mas é o suficiente para forçar uma nova configuração planetária.

De acordo com o Age, em 2050 a neve desaparecerá dos Alpes centrais. Ilhas do Pacífico serão ameaçadas por inundações e tempestades tropicais mais freqüentes. A Grande Barreira de Corais, o maior organismo vivo do mundo, morrerá, e a principal região agrícola da Austrália perderá de 10% a 25% da água que a abastece.

O governo australiano, apesar de hoje já sofrer com efeitos do aquecimento global, não participa do Protocolo de Kyoto, o único acordo global que visa a reduzir a emissão de gases do efeito estufa e, com isso, minimizar as mudanças climáticas.

RESPONSABILIDADE

A divulgação destes dados e do primeiro capítulo do relatório aceleram a movimentação por soluções mais efetivas do que Kyoto. Hoje, o novo secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, reúne-se com membros do alto escalão da ONU sobre o tema. Eles debatem a convocação de uma conferência de emergência em setembro.

A próxima reunião oficial está marcada para novembro. Porém, os secretários das Nações Unidas diretamente envolvidos com a questão, Achim Steiner e Yvo de Boer, acreditam que é preciso acelerar o processo diplomático para fortalecer medidas que impeçam tais interferências perigosas do sistema climático.

O principal desafio é convencer o maior emissor do mundo, os Estados Unidos, e grandes países em desenvolvimento, como China, Índia, Brasil e África do Sul, a assumirem metas de redução da emissão de gases-estufa. Na última conferência, realizada há dois meses, não houve um grande avanço nessa direção.