Título: Rebelo, Chinaglia ou Fruet?
Autor: Kujawski, Gilberto de Mello
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2007, Espaço Aberto, p. A2

O Congresso Nacional está clamando pela depuração política, ética e profissional, exigida pela unanimidade do País. Nunca o conluio entre a corrupção e a mediocridade arrastou tão baixo a Câmara e o Senado.

A causa principal da presente decadência deste Congresso severino é de ordem política e só depois, de ordem ética e profissional. Explico-me: quando a tensão entre governo e oposição existe, no jogo político normal, a saúde institucional do Legislativo está preservada. Ao contrário, quando a tensão entre governo e oposição se relaxa, como ocorre agora, quando a oposição foi praticamente anulada pela inflação do Executivo, na pessoa do exmo. sr. presidente da República, o jogo político afrouxa. Os políticos perdem a motivação, ficam fora de forma, desprezam sua condição de legítimos representantes da sociedade e se voltam, exclusivamente, para seus interesses corporativos, por exemplo, aumento de salário, das vantagens e dos privilégios à custa do dinheiro público.

O segundo aspecto da causa política a que nos referimos vem da contaminação sofrida pela Casa do Povo com a mediocridade e nulidade do Executivo, de seu pensamento pequeno, de suas medidas de varejo, sem a amplitude nem a consistência próprias de uma política de Estado, com sentido de solidez e permanência. Desde o início do governo Lula, o Parlamento não recebe para votar um projeto de envergadura, seja na área econômica, política ou social. O Legislativo para crescer precisa ser provocado pelo Executivo, um Executivo digno do nome, dotado de sentido desbravador e renovador. Caso contrário, o Congresso perde o moral, acomoda-se e, em conseqüência, perde também a moral. O moral alto, o ânimo para lutar e investir num projeto de interesse coletivo, é mais importante que a moral, isto é, a honestidade e os bons costumes. Quando o moral vai alto, a moral está preservada; quando o moral decai, quando o grupo político se omite de seu papel constitucional, aí é que a moral se corrompe e a honra é vendida por um prato de lentilhas. Saber o que se quer e o que fazer, dedicar-se de corpo e alma a uma causa, uma tarefa, é essencial para a sanidade da vida pessoal e também da vida institucional.

A regeneração do Congresso significa a recuperação da sua função original, do papel que lhe foi atribuído pela sociedade e que consiste em representá-la condignamente, pulsando em consonância com ela. O Congresso tem de retomar seu destino nas mãos, alçar-se sobre o pântano da mediocridade profissional e moral em que chafurda, superar o corporativismo e suprir por si a falta de incitamento que a incompetência do governo lhe nega, devolver-se a auto-estima e a estima da sociedade.

Dos três nomes lançados na disputa pela presidência da Câmara, qual deles será o mais indicado para a tarefa de depurar e revigorar o Parlamento? Vejamos o perfil de cada um deles.

Aldo Rebelo, aquela figura longilínea, de olhar sempre distante, perdido nas névoas da utopia, esteve a serviço de Lula o tempo todo, tirou da pauta matérias importantes, equilibrou-se em cima do muro como pôde e até agora não disse uma palavra sobre a péssima conduta de tantos colegas envolvidos em traficância e escândalo. Apesar de tudo, esse stalinista caboclo, e purista que pretende expurgar da língua portuguesa todos os estrangeirismos, amigo do saci-pererê, esse mestre-escola polido e sem brilho não passa de um inocentão.

Arlindo Chinaglia é outra coisa. Ardiloso, calculista, rápido no gatilho, é capaz de dizer e cometer as maiores barbaridades sem perder sua fria impassibilidade. Na mobilidade daquele olho branco relampejam intenções discutíveis e na cadência daquela fala estudada transparece a duplicidade que só os tolos ou mal-intencionados não vêem. Arlindo Chinaglia condensa o que há de pior no PT: o anacronismo político, econômico e social fantasiado de progressismo; a prepotência da opinião, arrogante e massacrante; a mistificação de que os fins justificam os meios; a ambição cega do poder pelo poder, sem nenhuma proposta consistente e construtiva em benefício do País; o aparelhamento geral e irrestrito do governo como ¿cosa nostra¿ do partido; a manipulação inescrupulosa da opinião pública mediante a mentira, a invencionice, a demagogia deslavada; a condescendência injustificável com a corrupção e os escândalos de mensaleiros e sanguessugas, os quais pretende inocentar e trazer de volta ao poder. Caviloso, maquiavélico, arrogante, se eleito, a primeira coisa que vai fazer será preparar a anistia de José Dirceu, sem sombra de dúvida o homem mais perigoso do Brasil. Suas companhias são de assustar: além de Dirceu, João Paulo Cunha, Professor Luizinho, José Mentor, Valdemar Costa Neto, Severino Cavalcanti, Bruno Maranhão (o invasor da Câmara) e Paulo Maluf.

Gustavo Fruet (PSDB-PR) projetou-se na CPI dos Correios. Acostumado a fazer a lição de casa, foi o principal responsável pela desmistificação das contas bancárias de Marcos Valério e do PT. Brilhou também no Conselho de Ética, onde provou mais uma vez sua personalidade e independência. Tem preparo jurídico e financeiro, convicções firmes, postura ética, fôlego para qualquer polêmica. Além disso, um bom humor constante, herança do pai, o deputado Maurício Fruet, sinal de boa elasticidade mental. Não manifesta nem a subserviência de Aldo Rebelo, nem a duplicidade alarmante de Arlindo Chinaglia. Representa o que há de melhor na Câmara e no seu partido, o PSDB, hoje em crise de identidade.

A eleição de Aldo Rebelo seria melancólica, o agravamento da estagnação e do servilismo a Lula. A escolha de Arlindo Chinaglia, o retrocesso e o pior dos mundos. Só a vitória de Gustavo Fruet significaria a regeneração política e moral da Câmara e o fim de sua promiscuidade com a corrupção e a mediocridade.