Título: O governo perdeu o controle dos gastos
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2007, Notas e Informações, p. A3
O gasto federal continuou a crescer mais do que a produção nacional de riquezas, no ano passado, e essa tendência deve manter-se em 2007. Mantendo-se esse ritmo, o Brasil estará condenado a permanecer com taxas medíocres de crescimento econômico. A questão é simples: quando a despesa pública aumenta mais que o PIB, por um longo período, ou se aumentam impostos ou se acumula um déficit cada vez mais difícil de sustentar. Na primeira hipótese, a economia acaba esmagada pela carga tributária. Na segunda, o setor público só escapa da quebra se os juros forem para a lua e o Tesouro sugar uma enorme parcela da poupança das famílias e das empresas. Os brasileiros têm experimentado combinações variáveis dessas duas desgraças. A estagnação da economia, com baixíssimo crescimento há muitos anos, é o resultado mais visível de tantos desacertos. Os resultados do ano passado mostram que o governo federal perdeu o controle dos gastos. Para um crescimento do PIB estimado em 2,8%, houve um aumento nominal das despesas de 13,9% em relação a 2005. Já as receitas tiveram um aumento de 11,2%. Isso significa que as finanças do governo estão cada vez mais divorciadas das possibilidades da economia real do País. O governo gasta o que não tem e o que não pode, como se a bolsa dos contribuintes fosse inexaurível.
Entre 2005 e 2006, a despesa do governo central passou de 18,15% para 19,19% do PIB. Em 2004, o gasto havia sido de 17,13%. Em dois anos, portanto, o gasto federal cresceu o equivalente a dois pontos porcentuais do PIB - uma soma equivalente a R$ 41,8 bilhões.
A receita tributária cresceu também mais velozmente que a economia, porém mais devagar que a despesa. Em 2004, o governo arrecadou impostos e contribuições correspondentes a 16,68% do PIB. Essa relação subiu para 17,97% em 2005 e 18,05% no ano passado. Houve, portanto, aumento da carga tributária, calculada como proporção dos impostos e contribuições em relação ao PIB.
Apesar da crescente voracidade exibida pelo governo, o resultado fiscal teria sido bem mais apertado, em 2006, se o Tesouro não tivesse recebido volumosa receita não-tributária. Graças a isso, a receita global aumentou de 20,25% para 20,66% do PIB entre 2005 e 2006. O dinheiro de outras fontes inclui R$ 9,74 bilhões de dividendos, pouco mais que o dobro do recebido um ano antes. Em outras palavras: o governo central dependeu do bom desempenho financeiro das estatais, especialmente da Petrobrás, do Banco do Brasil e do BNDES, para não descumprir a meta fixada para o ano.
O resultado primário, R$ 49,8 bilhões, foi pouco superior ao fixado pelo último decreto de execução orçamentária, R$ 48,4 bilhões. Se os dividendos tivessem ficado em R$ 7,7 bilhões, R$ 2 bilhões abaixo do resultado efetivo, a meta não teria sido alcançada.
Só os dividendos pagos pela Petrobrás garantiram ao Tesouro uma receita de R$ 2,34 bilhões. Que o governo receba dividendos de suas empresas pode ser muito bom, quando elas não precisam desse dinheiro para investir, crescer e produzir mais. Mas é muito ruim o Tesouro depender dessa receita para equilibrar suas contas ou mesmo para atingir metas de superávit primário, isto é, para reunir o dinheiro necessário ao pagamento de juros de sua dívida. É inaceitável o governo valer-se da rentabilidade de suas empresas para compensar, mesmo parcialmente, o descontrole de seu gasto. Pode-se discutir se o Estado deve ou não ser dono de empresas como as de petróleo e petroquímica. Só uma consideração de ordem estratégica pode justificar uma resposta positiva. Mas, nesse caso, não se pode atribuir à estatal o papel de importante fonte de recursos para o Tesouro.
O quadro fica pior quando se verifica que o gasto público aumentou mais que o PIB porque o próprio governo inflou a folha de salários e de encargos e também os benefícios da Previdência. O aumento real do salário mínimo é parte da explicação, mas, além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi generoso na concessão de reajustes para o funcionalismo. Isso foi parte das muitas bondades concedidas, por extraordinária coincidência, num ano de eleições para a Presidência, para os governos estaduais, para o Congresso e para os legislativos dos Estados. Muitas dessas bondades continuarão afetando as contas públicas neste e nos próximos anos.