Título: Influências do chavismo vão de Jesus a Kadafi
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/02/2007, Internacional, p. A10

As idéias do tenente-coronel Hugo Chávez deram uma guinada ainda mais à esquerda para incluir a nacionalização de companhias estrangeiras, o reforço dos laços com Irã e Síria e o governo por decreto pelos próximos 18 meses. Chávez também desfila uma série desconcertante de influências em seu pensamento político, de Jesus, Marx e Trotski ao teórico marxista peruano José Carlos Mariátegui. Num discurso neste mês, ele elogiou Albert Einstein pela teoria da relatividade e seu ensaio Por que socialismo?, de 1949.

O que exatamente é o chavismo, o impulso filosófico que inspira Chávez? Para ter uma idéia, consideremos o caso de David Velásquez, novo ministro do Poder Popular para Participação e Desenvolvimento Social. O barbudo Velásquez, de 28 anos, primeiro membro do Partido Comunista da Venezuela a ocupar um ministério, supervisiona um dos projetos mais ambiciosos de Chávez: a expansão dos conselhos comunais, entidades de governo locais, para rivalizar com as municipalidades. Os conselhos são parte de um plano para construir 'cidades socialistas', algumas a partir do zero, no interior do país, a ser colonizadas em parte por moradores das superlotadas Caracas e Maracaibo.

Alguns críticos comparam o projeto com o esvaziamento de Phnom Penh pelo ditador Pol Pot, em seu sangrento esforço para refazer a sociedade cambojana nos anos 70. Os defensores de Chávez dizem que a inspiração vem da Comuna de Paris, de 1871, uma campanha efêmera para governar a capital francesa segundo ideais socialistas.

'(As idéias) são como uma tigela de minestrone', disse Luis Miquilena, ex-conselheiro de Chávez, referindo-se à filosofia do presidente. 'É uma série de improvisações arbitrárias de alguém que é obedecido por todos.' O chavismo sempre foi difícil de definir, em parte porque Chávez absorve idéias das mais variadas origens. Edgardo Lander, sociólogo da Universidade Central da Venezuela e partidário do governo, lembra que o presidente é admirador de István Mészáros, marxista húngaro relativamente obscuro.

Para os críticos de Chávez, está claro que seu 'socialismo do século 21' inclui uma boa dose de autocracia. Qual outro motivo, argumentam eles, o levaria a pedir poderes especiais quando já controla o Congresso, a Corte Suprema e todos os governos estaduais, à exceção de dois? Para Alfredo Barrera Tyszka, co-autor de uma biografia de Chávez, o presidente cansou de esperar que os subordinados cumpram suas ordens.

Chávez chocou os mercados financeiros quando anunciou a nacionalização da principal companhia telefônica do país e da empresa de energia elétrica. Mas a Venezuela já passou por isso antes. Nos anos 50, o ditador Marcos Pérez Jiménez nacionalizou a mesma companhia telefônica.

Como Chávez, Pérez Jiménez promoveu grandiosos projetos de infra-estrutura, como o Hotel Humboldt, no alto do Monte Ávila, em Caracas. Mas fica claro que Chávez também difere consideravelmente dos antecessores. Sua política externa vigorosa, que inclui alianças com o Irã, Bolívia e agora Síria e Nicarágua, lembra a de Fidel Castro.

Buscando além de suas citações da Bíblia e das cartas de Simón Bolívar, é possível encontrar mais influências. Há o Livro Verde, o tratado do líbio Muamar Kadafi que rejeita a democracia liberal, devorado por Chávez nos dias de quartel, nos anos 80. Outra influência foi Norberto Ceresole, sociólogo argentino que serviu como conselheiro de Chávez nos anos 90. O sociólogo ficou conhecido pelas virulentas opiniões anti-semitas. Mais tarde, Chávez se distanciou de Ceresole, que morreu em 2003.