Título: Por que o Brasil vai crescer, mas não muito
Autor: Carneiro, Dionísio Dias
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2007, Economia, p. B2

O sucesso de Lula em Davos ilustra o dilema que vive seu governo quando deseja acelerar o crescimento. Tal como agradar a uma platéia otimista quanto às vendas e aos lucros em 2007, acelerar o crescimento brasileiro para os próximos dois anos é relativamente fácil, porque há folga de liquidez. Mas mostrar um novo Brasil, que pode crescer mais além de um ou dois anos, é bem mais difícil. Com crédito abundante, os participantes desse tipo de encontro estão dispostos a acreditar em boas promessas.

O outro lado do baixo crescimento brasileiro dos últimos dois anos é a folga para crescer, que poderá ser ocupada pela expansão do crédito. O controle monetário da demanda tem mantido a economia abaixo do produto potencial, o que tem feito a inflação cair, apesar das incertezas fiscais. O crédito pode crescer, ainda que com um pouco mais de inflação, sem romper a meta. O desempenho da economia mundial e a nova atenção às fontes renováveis de combustível são favoráveis à base produtiva brasileira: podemos usar menor quantidade de fatores de produção para importar mais e atender ao acréscimo de demanda que já vinha sendo gerado antes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Finalmente, a combinação de alta liquidez externa com a confiança de que Lula repudia as aventuras econômicas, ao contrário dos vizinhos, tem permitido uma grande valorização dos ativos brasileiros em moeda estrangeira.

Todos esses fatores podem resultar em aumento mais rápido da produção interna, acima da tendência dos últimos anos: pode haver um aumento na utilização de capacidade produtiva sem que a inflação supere a meta e sem que o balanço de pagamentos venha a ser comprometido. Mas mudar a tendência é mais difícil.

Preços relativos externos favoráveis aos produtores brasileiros estimulam a produção de bens exportáveis, apesar das queixas contra o câmbio valorizado. A flexibilidade cambial corrigirá o câmbio, caso haja aumento inesperado das importações ou frustração das exportações. Com ou sem PAC, não faltam oportunidades de investimento. A queda do custo de capital estimula a exploração dessas oportunidades: prêmios de risco e custo de crédito menores, baixa inflação e baixa volatilidade cambial devem continuar. O Brasil produz pouca tecnologia, especialmente na indústria, resultado da negligência histórica com a educação e o ensino técnico. Preços externos favoráveis tornam mais barato modernizar o parque industrial brasileiro, via aquisição de tecnologia incorporada nos equipamentos. Já o setor agropecuário se beneficia duplamente dos preços relativos favoráveis. A produção ficará mais lucrativa, se o governo não atrapalhar a melhoria das vias de transporte, nas quais o setor privado está disposto a investir. A continuidade dos esforços de pesquisa e experimentação agropecuária (Embrapa e setor privado) nos últimos 40 anos faz com que a lucratividade da produção de exportáveis agrícolas tenha um fundamento que vai além das oportunidades de curto e médio prazos da economia mundial. Efeito semelhante se aplica aos investimentos na produção mineral.

Um terceiro fator, a liquidez abundante que valoriza nossos ativos, justifica o otimismo quanto ao crescimento nos próximos dois anos, mas, ao mesmo tempo, ilustra as dúvidas quanto às possibilidades de que o maior crescimento projetado para 2007 e 2008 se mantenha. Não se encontram, no programa ou na realidade, razões para que o crescimento brasileiro possa subir para algo como 4,5% ao ano, como anunciou Lula no PAC. O presidente desgasta-se para conciliar o discurso estatizante de seus intelectuais com os estímulos para a formalização do emprego privado, que beneficia seu eleitorado. Mas isso requer empresários em busca do lucro e o controle dos impulsos centralizadores dos ministros encantados com o poder de fazer chover.

Os saudosistas do modelo asiático sonham com o que Masahiko Aoki chamou de ¿burocracia plural¿: da interação benigna entre empresários escolhidos, dispostos a colaborar com funcionários, autonomeados defensores iluminados do bem comum, resultam maiores gastos de capital e se estimula a produção. No Brasil da baixa poupança, do uso de gastos públicos para arrebanhar a clientela de excluídos e do sistema político baseado na esperteza, não há estímulo para buscar novos meios de criar riqueza, mas para pilhar a que é produzida por outros. O PAC não muda nada disso.