Título: 'O PAC é só a primeira etapa de um processo'
Autor: Brandão Junior, Nilson
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/02/2007, Economia, p. B5

O ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso elogia o Progama de Aceleração do Crescimento (PAC) e acredita que se trata da primeira etapa de um projeto para o País. Mas avalia que o governo tem de aproveitar o início de mandato para atacar o problema da Previdência Social. Um dos principais mentores dos planos estratégicos do País dos anos 70, Reis Velloso explica que o PAC é um programa de crescimento e, por isso, não pode ser comparado a documentos como o Plano de Metas do ex-presidente Juscelino Kubitschek ou o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), da era militar. ¿Estamos diante de uma fase de um processo¿, afirma. Ele ressalta que não basta superar os obstáculos ao crescimento. É preciso uma estratégia de desenvolvimento, que avance em áreas de ponta, como a inovação e o conhecimento. Pragmático, defendeu, em entrevista ao Estado, o equacionamento das despesas públicas, para abrir espaço para reduções da carga tributária.

Como avalia o PAC?

A proposta veio mais concreta e em volume maior do que o que eles esperavam. Muitos questionaram que não se trata de um plano de governo.O PAC deve ser entendido naquilo que pretende ser. Como o próprio nome diz, é um programa de aceleração do crescimento. Não pretende ser um plano de governo como foi o Plano de Metas do Juscelino.

Então não é possível comparar o PAC aos planos que o sr. elaborou nos anos 70?

Não. Os PNDs já incorporavam todo um plano de desenvolvimento. O PAC é apenas uma primeira etapa. O próprio presidente Lula foi muito claro ao dizer que o PAC é somente uma peça de uma grande engrenagem. Ele mesmo diz que já podemos ver qual vai ser a segunda fase e fala em aceleração da reforma política, nas medidas para melhorar o sistema de previdência e reforma tributária. Estamos diante de fases de um processo.

O PAC prioriza os investimentos públicos. Tornar o setor público o motor principal de desenvolvimento não parece certo dirigismo?

Na minha leitura não é isso. Porque quando se fala em infra-estrutura, é mesmo uma área quase que exclusivamente de governo. Os investimentos públicos em infra-estrutura têm um efeito geral altamente benéfico sobre a economia. E é exatamente um dos obstáculos que temos de superar. Hoje estamos mal nessa área. O Brasil já teve uma infra-estrutura muito boa, que foi se perdendo ao longo do tempo. Houve até um apagão elétrico, que todos lembramos. Uma infra-estrutura ruim aumenta os custos do setor privado.

Há um efeito multiplicador desses investimentos públicos?

Sim. Esses investimentos aumentam a competitividade do setor privado, que também pode participar desse programa de investimentos como concessionário de certos projetos, tanto de energia elétrica quanto de transporte.

O governador José Serra criticou o PAC por ser vago. Como avalia essa crítica?

Não vou me referir ao que disse o governador. O PAC é muito concreto, dá valores para os programas e os projetos. Cria um conselho gestor ministerial e um grupo executivo, que farão o acompanhamento. Com isso, temos de nos voltar para a questão da execução. Esse programa de investimentos é bom desde que aconteça. Essa execução nos leva a duas preocupações: que não haja contingenciamento do orçamento e cuidado com problemas de gestão.

Concorda com as críticas de que foi pouca a desoneração fiscal?

Houve algumas desonerações para o setor privado. Mas cabe um dúvida. Poderia ter sido mais? Poderia. Talvez tenha sido o possível. Aí entramos no terreno das áreas em que nós temos de avançar. Temos de avançar nesta questão do bloqueio fiscal. As despesas (não financeiras) no orçamento federal chegam a praticamente 90% (em 2005, essa taxa era de 46% em 1987). Os gastos correntes obrigatórios somam praticamente 90%.

Qual a conseqüência disso?

Bloqueio fiscal. Você só toma decisão sobre 10% do orçamento. Então não é de admirar que os investimentos com recursos orçamentários tenham se tornado irrelevantes. Muita gente estranhou, mas a participação dos recursos do orçamento fiscal no PAC é de R$ 68 bilhões entre 2007 e 2010, enquanto a de estatais federais e demais fontes soma R$ 436 bilhões. Há muito pouco recurso no orçamento para investimento. Estamos numa camisa-de-força.

Concorda que houve timidez em questões como a da Previdência? Faltou coragem ao governo?

O governo está dizendo que vai entrar no assunto da Previdência. É preciso dizer que a criação do fórum de previdência não é necessária e que se reconheça a necessidade de mudanças profundas.

A reforma da Previdência é o próximo ponto a ser encarado depois do PAC?

O momento é este. É o início o governo, quando ele tem o maior capital político. Isso tem de ser feito sob o risco de continuarmos tendo um déficit muito grande. É preciso partir para as soluções. Encontrar as fontes de financiamento para aqueles benefícios que não estão cobertos por contribuições. Foi o problema das opções sociais da Constituição de 1988. Criou-se uma série de déficits e não se disse quem pagava a conta.

O que inibe o crescimento do setor privado?

Assim como o governo tem uma camisa-de-força, há os inibidores do setor privado. Um deles é a carga tributária. Para resolvê-lo temos de criar condições. Temos de estabelecer limites. Todo tipo de despesa tem de estar sujeita a limites. A despesa global do Executivo tem de ter um teto.

Que outros problemas existem para o crescimento?

A taxa de juros. No PAC há uma previsão de redução contínua. Isso tem de acontecer.

No quadro atual, o País pode crescer 5%?

Em média, neste mandato, pode. É como se subíssemos uma escada. Há 25 anos estamos nessa história de crescer 2,5% ao ano. Ainda falta alguma coisa. É preciso ter uma estratégia de desenvolvimento. Se queremos um crescimento rápido, temos de pensar em outras coisas, como inovação. Este é um assunto importante no mundo de hoje. Podemos usar o conhecimento para desenvolver setores de recursos naturais, em que o Brasil é dos países mais competitivos do mundo.