Título: Confusão à vista
Autor: Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/02/2007, Economia, p. B2
A proposta elaborada pela área econômica para o regime de previdência complementar do servidor, que está em análise na Casa Civil, prevê que o funcionário que ingressou no serviço público depois da promulgação da emenda constitucional 41, ou seja, a partir de janeiro de 2004, e que aderir às novas regras, não será ressarcido pelas contribuições que realizou até agora. Ele perderá os 11% sobre o salário que pagou à União, a título de contribuição previdenciária.
A reforma do regime próprio dos servidores, realizada pela emenda constitucional 41, estabeleceu que os funcionários contratados a partir de janeiro de 2004 teriam direito, ao se aposentar, apenas ao mesmo teto dos segurados do INSS, que é de R$ 2,8 mil. Como os trabalhadores da iniciativa privada, a sua alíquota previdenciária seria de 11% sobre o salário de contribuição. Quem quisesse optar por um complemento à aposentadoria teria que contribuir para um fundo de pensão. A União colocaria, em seu nome, a mesma quantia que ele depositasse.
O problema é que, por causa do elevado custo fiscal, esse dispositivo nunca foi regulamentado. Agora, passados três anos, o governo Lula decidiu fazê-lo e vai enviar um projeto de lei complementar ao Congresso Nacional, que cria a aposentadoria complementar do servidor federal. O entendimento da área econômica é de que apenas as pessoas que ingressarem no serviço público após a constituição do fundo de pensão terão sua aposentadoria limitada ao teto do INSS, de R$ 2,8 mil.
Um dos problemas que está emperrando a conclusão da proposta, no entanto, é saber o que fazer com as pessoas que ingressaram no serviço público a partir de janeiro de 2004. Se não aderirem às novas regras, elas terão direito, ao se aposentar, a um benefício equivalente à média de suas remunerações ao longo da carreira. Mas elas poderão desejar aderir ao fundo de pensão, mesmo porque ninguém garante que a regra do benefício pela remuneração média não será alterada no futuro.
O problema é que esses funcionários contribuíram para o regime previdenciário próprio dos servidores com 11% sobre os seus salários de janeiro de 2004 até agora e a União não vai devolver os valores pagos, de acordo com a proposta da área econômica. O entendimento da área jurídica do governo é de que as contribuições previdenciárias foram tributos pagos e, como tais, não estão sujeitos à devolução. Para quem entrou no serviço público em janeiro de 2004 e ganha R$ 10 mil por mês, por exemplo, a perda será de R$ 38,1 mil, se a proposta da área econômica prevalecer.
O cálculo foi feito considerando a incidência da alíquota de 11% sobre o valor do salário que excede R$ 2,8 mil, que é o salário de contribuição do INSS, e uma capitalização pela taxa Selic do período. Para quem tem um salário de R$ 5 mil, a perda será de R$ 12,4 mil. Esta regra, se aprovada pelo Congresso, certamente dará origem a uma infinidade de ações na Justiça. Mas se tiver que devolver as contribuições pagas por estes servidores, o custo da transição para o novo sistema será muito elevado.
Duas outras questões também dificultam a conclusão da proposta. Uma delas é que o Judiciário e o Legislativo são contra a proposta da equipe econômica de criar apenas um fundo para todos os servidores dos três Poderes. Eles querem constituir os seus próprios fundos.
A segunda questão é a definição da alíquota máxima de contribuição para o fundo de pensão. A equipe econômica quer que ela seja de 7,5%, mas os servidores desejam 11%. Eles alegam que a alíquota de 7,5% resultará num benefício de aposentadoria bem inferior ao último salário do funcionário. Quanto maior for a alíquota máxima, maior é o custo de transição do sistema.
O espanto de Magri
Ao sair de uma reunião com o ministro da Previdência Social, Nelson Machado, na semana passada, o ex-ministro Antônio Rogério Magri manifestou sua convicção de que haverá forte reação dos trabalhadores se o governo tentar mudar as atuais regras do sistema previdenciário. 'A reforma para nós já foi feita, pois o fator previdenciário nos atingiu em cheio', disse. Ele foi questionado por este colunista se não seria melhor para os trabalhadores negociar agora o estabelecimento de uma idade mínima de 65 anos, escalonada até 2025, pois, dentro de 10 anos ninguém vai conseguir se aposentar com menos do que isso, com o benefício integral, por causa do fator previdenciário.
O ex-ministro Magri parou um pouco para pensar, demonstrou certo espanto com a questão, e teve a humildade de dizer que não tinha pensado na reforma sob essa perspectiva. Magri é hoje diretor de relações internacionais do Sindicato Nacional dos Aposentados, uma entidade ligada à Força Sindical. O espanto de Magri pode indicar o desconhecimento das lideranças sindicais sobre o mecanismo do fator previdenciário.
Poucos deles sabem, por exemplo, que se for mantida a atual tendência de aumento da expectativa de vida do brasileiro, apontada pelo IBGE, dentro de aproximadamente 10 anos, o trabalhador só conseguirá se aposentar sem ter desconto no seu benefício aos 65 anos. Pelas regras atuais, o valor da aposentadoria paga pelo INSS depende da idade do trabalhador, do tempo de contribuição e da expectativa de sobrevida.
A sobrevida é o tempo de vida que os brasileiros ainda terão, de acordo com estimativa do IBGE, depois de uma determinada idade. Essas três variáveis (tempo de contribuição, idade e sobrevida) foram ponderadas por meio de uma fórmula matemática e resultaram no chamado 'fator previdenciário'. Sempre que o fator for menor do que um, haverá desconto no valor da aposentadoria.
O aspecto mais relevante da mágica do fator previdenciário é que a atual diferença de cinco anos para a aposentadoria, entre homens e mulheres, desaparecerá. A idade mínima com direito a benefício integral passa a ser de 65 anos para homens e mulheres. Isso acontecerá porque a expectativa de sobrevida da mulher é maior do que a do homem.
Hoje, não existe idade mínima nas regras do RGPS, mas uma mulher pode se aposentar com 30 anos de contribuição e o homem, só depois de 35 anos. Em tese. Com o fator previdenciário, mesmo contribuindo durante 35 anos, um homem atualmente só consegue se aposentar sem desconto em seu benefício aos 60 anos e a mulher aos 59 anos. Neste sentido, a demora da reforma previdenciária prejudica os trabalhadores, pois quem está perto de atingir o prazo de requerer aposentadoria, sempre terá uma surpresa a cada divulgação da tábua de vida do IBGE.