Título: Contrato de esbulho
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Como não poderia deixar de ser, nesta época repleta de parcerias de todos os gêneros, acaba de ser celebrada uma joint venture entre o Movimento dos Sem-Terra (MST) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT). As joint ventures são pactuadas quando empresas com tecnologias complementares desejam criar um produto ou serviço que aproveite as potencialidades de cada qual. E este é, precisamente, o caso. A CUT oferece, à nova sociedade, sua capacidade e experiência na articulação política de sindicatos e negociação com os poderes públicos - já que é o braço sindical do Partido dos Trabalhadores, que ocupa o Poder Central. O MST contribui com seu sofisticado know-how em invasões de fazendas, depredação de sedes, matanças de animais, colocação de empregados em cárcere privado, montagem de acampamentos em espaços públicos, destruição de instalações e equipamentos em prédios públicos ou privados, afora todo o aparato mercadológico (bandeiras, camisetas, bonés, etc.) que emprega em suas operações.

O acordo foi fechado entre sindicatos ligados à CUT do oeste paulista e o líder emessetista José Rainha Júnior - aquele que só o fato de ainda estar solto já significa um caso de escândalo institucional de impunidade (embora não o único) -, tendo em vista uma atuação conjunta na região. No encontro para a formação da parceria, ocorrido domingo em Ouro Verde, a 670 quilômetros de São Paulo, ficaram definidas duas frentes de ações. O MST ajudará os sindicatos a se organizarem ante a ofensiva das usinas de cana do oeste e os sindicalistas engrossarão o número de participantes dos grupos de sem-terra nas operações de invasão e ocupação. 'Estamos preparando uma grande mobilização no Pontal e na Alta Paulista' - anunciou o líder sem-terra.

Diga-se, a propósito, que esse famoso líder sem-terra é, na verdade, um 'com terra' (com lote no assentamento 'Che Guevara', no Pontal do Paranapanema), um 'com teto' (com imóvel residencial no município paulista de Teodoro Sampaio) e um 'com conta' (na agência 221-6 do Bradesco, onde já recebeu, em outubro de 1998, depósito no valor de R$ 228.296,42, quando era secretário-geral da Cooperativa de Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados da Reforma Agrária do Pontal Ltda. - Cocamp -, e utilizou aquela importância - dinheiro público - para liquidar um empréstimo pessoal). Quer dizer, nessa parceria Rainha talvez possa também ofertar à CUT, subsidiariamente, expertise em estratégias de movimentação financeira. Importa mais avaliar, no entanto, a potenciação de multiplicação de invasões e ocupações de terras e propriedades em geral, particulares ou públicas, sob a égide da parceria MST-CUT, especialmente depois de decorrido o período de trégua eleitoral, quando o desrespeito à propriedade fora suspenso para não se prejudicar a campanha reeleitoral do companheiro maior, Luiz Inácio Lula da Silva.

Com o fim da trégua, o MST mostra a disposição de deixar extravasar toda a sua vontade de esbulhar, contida no período da campanha eleitoral. Em menos de uma semana, promoveu três ocupações: uma na Bahia; uma em Minas Gerais; e a ocupação da Fazenda Toca da Raposa, em Planaltina, a 30 quilômetros de Brasília, por cerca de 600 famílias, as mesmas que, dias antes, haviam sido expulsas pela Polícia Militar do acampamento na Fazenda Sete Rios, em Flores de Goiás. É claro que o pretexto do esbulho foi o mesmo de sempre: a aceleração do processo de reforma agrária.

As parcerias só se tornam bem-sucedidas quando as partes pactuadas trocam experiências acumuladas. Considerando-se que uma das experiências mais comprovadas, da parte do MST, é a do emprego da violência em larga escala, em suas operações sincronizadas em diversos pontos do território nacional, é de se supor - e temer - o nível de truculência que os militantes cutistas poderão aprender com seus parceiros emessetistas. Ou será que aos entusiastas portadores das bandeiras que têm em comum mais do que o pano vermelho e a letra 't', a troca de experiências, nesse campo, não terá algo a lhes acrescentar?