Título: Nova carta na mesa de Doha
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Os principais jogadores da rodada global de negociação comercial têm de levar em conta mais uma carta de grande valor: a proposta do governo americano para a Lei Agrícola 2007. Segundo esse projeto, revelado na quarta-feira em Washington, o Tesouro dos Estados Unidos poderá gastar US$ 87 bilhões em programas de apoio ao setor agrícola nos próximos cinco anos. Esse montante será US$ 10 bilhões inferior ao dos últimos cinco anos, ou US$ 18 bilhões, se forem levadas em conta as despesas de emergência ocorridas nesse período. Haverá, portanto, um corte de subsídios. À primeira vista, esse dado é positivo para os agricultores e pecuaristas de países como o Brasil, competitivos na produção, mas forçados a concorrer em mercados cheios de barreiras e de preços distorcidos por subvenções. Na prática, o cenário é muito mais complicado e cheio de riscos.

A União Européia considerou a proposta insuficiente para permitir um acordo na Rodada Doha. Negociadores do Grupo dos 20 (G-20), formado por Brasil, Índia, China e outros emergentes, classificaram as mudanças propostas pelo Executivo americano como cosméticas. Esse foi o resultado de um primeiro exame. Além do mais, o Congresso americano poderá mexer na proposta e elevar os subsídios.

Os negociadores americanos têm defendido, na rodada, um limite de US$ 22,5 bilhões para os subsídios internos, mas acenaram com a possibilidade de chegar a US$ 17,5 bilhões, num esforço para reanimar as discussões. Os US$ 87 bilhões propostos no projeto de lei para os próximos cinco anos correspondem, na média anual, a US$ 17,4 bilhões. O Brasil e outros emergentes defendem um teto de US$ 12 bilhões.

Mas a negociação não está restrita ao debate sobre esses números. 'Para alcançarmos sucesso na Rodada Doha, os Estados Unidos terão de ser mais ambiciosos na proposta de cortes e de regras para disciplinar o uso de subsídios internos causadores de distorções comerciais', disse em Bruxelas o porta-voz da Comissão de Agricultura da União Européia, Michael Mann.

O projeto de lei do Executivo americano contém, além do corte geral de subsídios, alguns detalhes também positivos à primeira vista. O governo teve o cuidado de excluir algumas subvenções já condenadas pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Uma dessas condenações, a dos subsídios ao algodão, resultou de um processo aberto pelo Brasil. Atualmente o Canadá move uma ação contra a política americana para o milho e outros processos poderão ser abertos, com base em regras acordadas na Rodada Uruguai, concluída em 1994.

Essas normas continuarão em vigor, internacionalmente, até a conclusão da Rodada Doha. Ninguém sabe quando um acordo poderá ocorrer e não se falou em prazos quando representantes de 49 países decidiram em Davos, no dia 27 de janeiro, iniciar mais um esforço para terminar a rodada.

Mas o tempo é curto e todos sabem disso. A autorização para o governo americano firmar acordos internacionais de comércio continuará em vigor até 30 de junho. O presidente George W. Bush pediu nova autorização ao Congresso e isso poderá envolver acertos políticos difíceis. Além disso, os negociadores da Rodada Doha terão de levar em conta, no seu cronograma, a tramitação do projeto da nova Lei Agrícola.

Mas haverá dificuldades políticas também noutras áreas. O principal negociador da União Européia, Peter Mandelson, apontou a proposta do Brasil e de outros emergentes como um 'campo de pouso' promissor para um acordo sobre agricultura. Essa proposta corresponde aproximadamente a um meio-termo entre as ofertas americana e européia. Mas alguns governos europeus, liderados pelo francês, acusaram Mandelson de haver ultrapassado o limite de seu mandato.

A eleição presidencial na França, prevista para maio, é um dado importante desse problema. Segundo apurou o Estado, a primeira ministra alemã, Angela Merkel, atualmente na presidência da União Européia, disse recentemente numa reunião fechada que o bloco só poderá apresentar uma nova proposta para o acordo agrícola depois de concluída a disputa eleitoral francesa. É mais uma complicação num processo já muito demorado e difícil.