Título: Efeitos do aquecimento da Terra são irreversíveis nos próximos 100 anos
Autor: Amorim, Cristina e Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/02/2007, Vida&, p. A25

O aquecimento global e as mudanças climáticas chegaram a uma velocidade e com uma violência muito maiores do que cientistas e governantes esperavam. A situação só vai piorar, mesmo com medidas de contenção tomadas imediatamente. Hoje, uma variação fracionária na temperatura é suficiente para desencadear uma série de eventos climáticos extremos, como tempestades, furacões, inundações e secas - até 2100 a Terra pode esquentar 3°C. E a culpa é do homem, de maneira inequívoca.

Essa seqüência de observações está no novo relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o mais respeitado documento sobre o tema no mundo. As conclusões, um endosso aos alertas mais impactantes feitos por ambientalistas nos últimos 30 anos, são produto de estudos de 2,5 mil cientistas de 130 países com os dados mais precisos disponíveis.

O relatório foi lançado ontem, em Paris, após cientistas e delegados nacionais definirem o texto final. A expectativa é que a opinião pública pressione todas as nações a adotarem o Protocolo de Kyoto e a não ficarem dependentes de um modelo econômico que promova o efeito estufa. O fenômeno é marcado pela concentração de gases na atmosfera que impedem a fuga do calor para o espaço. O planeta esquenta, e o delicado sistema climático terrestre se desequilibra.

O IPCC mostra claramente que o aquecimento atual não é parte do ciclo natural do planeta, mas conseqüência de um estilo de vida iniciado na Revolução Industrial e ainda praticado pelos 6,5 bilhões de habitantes. Por estilo, entendam-se dependência de combustíveis fósseis para gerar energia, em especial petróleo e carvão, e desmatamento em larga escala.

A concentração dos três principais gases-estufa - dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nítrico (N2O) - só cresceu desde o fim do século 18. Em 2005, havia mais CO2 no ar (379 partes por milhão) do que a média dos últimos 650 mil anos. O mesmo vale para os outros dois.

Pior: entre 1995 e 2005, o índice de concentração de CO2, gás responsável por 75% do efeito estufa, cresceu a 1,9 ppm por ano, média superior ao aumento de 1,4 ppm verificado entre 1960 e 2005. Por ano, são lançados no ar 7,2 bilhões de toneladas de carbono. Os países continuaram a emitir CO2 mesmo após o problema ser detectado e criado o Protocolo de Kyoto. Se antes o acordo para reduzir a emissão de gases-estufa parecia inócuo frente à grandeza da questão, agora não passa de carta de intenções.

DO KATRINA AO CATARINA

O efeito prático mais imediato é o aquecimento global. A temperatura do ar e dos oceanos vem subindo. Onze dos últimos 12 anos estão entre os mais quentes desde 1850, quando a temperatura passou a ser medida. Em 100 anos, a elevação foi de 0,74°C - num passo acelerado nos últimos 50 anos.

Não é pouco. Menos de 1°C foi suficiente para desequilibrar o sistema climático: Katrina, que arrasou Nova Orleans; Catarina, o primeiro furacão brasileiro; ondas de calor no Hemisfério Norte; secas prolongadas na Ásia; monções enfraquecidas; mais pestes; plantas que entendem ser primavera no inverno e florescem. Tudo isso influenciado, em algum grau, pelo aquecimento.

A elevação da temperatura trouxe também o degelo de lençóis glaciais e a redução da cobertura de neve. Com isso, o nível dos oceanos subiu 3,3 milímetros por ano entre 1993 e 2006. No século 20, a elevação foi de 0,17 metro.

PONTO SEM RETORNO

Mesmo que a emissão dos gases-estufa pudesse ser controlada hoje, as alterações continuariam por centenas de anos. Isso porque o carbono tem um ciclo de permanência na atmosfera de 100 anos. O efeito é mais devastador do que o próprio IPCC imaginava. O gelo diminuirá no Ártico e talvez na Antártida, alterará a salinidade da água e aumentará o volume de precipitações. A conjunção de fatores vai reordenar ventos e ondas. Haverá chuvas torrenciais, furacões mais agressivos, ondas de calor mais longas. Em alguns anos, o extremo será comum.

A questão é como e quanto a humanidade conseguirá minimizar os danos. Em cenários futuros, o grau de investimento em tecnologias limpas e redução de uso de combustíveis fósseis têm impacto direto no nível do problema. As projeções do IPCC se baseiam em seis modelos complexos, programas de computador alimentados com dados coletados por anos.

O painel prevê que, até 2100, as temperaturas subam 0,2°C por década, mais do que nos anos passados. A melhor estimativa é de 1,8°C a 4°C até 2100, com 3°C a mais considerado provável. Os oceanos subirão entre 18 e 58 cm, ameaçando ilhas e cidades costeiras. Alguns dizem que o perigo é maior: elevação de até 1,4 metro no fim do século.

O IPCC prepara para os próximos meses outros dois volumes deste mesmo relatório - sobre adaptação e sobre mitigação. Até o fim do ano, quando ocorre a próxima conferência da ONU sobre clima, os países terão de apresentar propostas mais efetivas de controle do efeito estufa do que Kyoto. ¿O dia 2 de fevereiro de 2007 será lembrado como o dia em que o ponto de interrogação sobre a responsabilidade do homem foi removido¿, disse o diretor do Programa da ONU para Meio Ambiente, Achim Steiner.