Título: Nova legislatura mal começa e já mostra marcas dos velhos vícios
Autor: Lopes, Eugênia
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2007, Nacional, p. A4

Encerrada uma das piores legislaturas da história da República, os parlamentares recém-empossados na Câmara dão mostras de que deles não se pode esperar grandes avanços. Trocas de partido antes mesmo de iniciado o mandato, formação de blocos partidários apenas para garantir mais cargos na cúpula congressual e uma eleição de presidente da Câmara marcada por denúncias de conchavos sugerem que pouca coisa vai mudar.

Apesar da renovação de 47% das vagas na Câmara, os deputados já começam a se preocupar com um assunto rumoroso que tinha sido engavetado: o aumento de seus próprios salários.

O tema causou escândalo nos últimos dias do ano passado - quando, em plena campanha eleitoral interna para o comando do Congresso, os parlamentares decidiram dobrar seus vencimentos, elevando-os para R$ 24,5 mil por mês. O reajuste foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, diante da repercussão negativa do episódio, deputados e senadores acharam por bem deixar a discussão para outro momento. E o momento é agora. Aguardam apreciação dos parlamentares projetos e medidas provisórias do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) recém-lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o que os congressistas tentarão aprovar nas próximas semanas é um reajuste de 28,4%, que corresponde à reposição da inflação dos últimos quatro anos.

Com essa fórmula, os salários subirão para R$ 16,5 mil, o que é apenas uma parte dos subsídios recebidos pelos congressistas. O índice de reajuste é, de fato, bem mais razoável que o definido em dezembro, mas há quem aproveite o debate para apontar um dos vícios do Congresso: o nível elevado de despesas, devidamente custeadas pelos cofres públicos.

'Qualquer acréscimo na remuneração deveria ser reduzido em outros itens de gastos. Mas temo que aprovemos o salário de R$ 16,5 mil sem nenhum outro corte de gasto e nos benefícios dos parlamentares', diz o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). A observação faz sentido: somados, os orçamentos da Câmara e do Senado para 2007 chegam a nada menos que R$ 6,9 bilhões.

TROCA-TROCA

Um dos fatores que retardam a melhoria das rotinas do Congresso é o alto grau de indiferença às críticas desenvolvido por boa parte dos parlamentares. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, os coordenadores políticos do Planalto, sob a batuta do então ministro José Dirceu, promoveram um grandioso movimento de trocas partidárias, tornando mais robustas as bancadas de partidos aliados como PTB e PL (hoje rebatizado como PR). Todo o noticiário negativo e as nefastas conseqüências políticas, com destaque para o escândalo do mensalão, foram insuficientes para eliminar a prática. Na legislatura passada, 195 deputados trocaram de legenda.

Desta vez, o fenômeno se repetiu, até agora, em dimensões menores, mas mesmo assim é de notar que, no curto espaço de tempo entre as eleições de outubro e a posse na última quinta-feira, 19 deputados mudaram de partido, a maioria em direção a legendas governistas. No Senado, onde mudanças desse tipo são sempre mais raras, dois parlamentares eleitos há apenas quatro meses já se bandearam para outras siglas. Expedito Júnior (RO) deixou o PPS e foi para o PR. O ex-presidente Fernando Collor (AL), agora eleito senador, trocou o PRTB pelo PTB.

'Para neutralizar aspectos negativos do Congresso, o grande entendimento vai ser a reforma política', afirma o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ). 'Muitas das velhas práticas podem acabar com a reforma política. Há um consenso pela fidelidade partidária.'

O processo de escolha da nova cúpula congressual, no entanto, deu demonstrações de que há poucas razões para o otimismo demonstrado por Gabeira. Na ânsia de obter os melhores cargos no comando da Câmara e do Senado, os partidos travaram uma corrida para se aglutinar em blocos partidários. Quanto maior o bloco, mais atraentes são os postos a que se tem direito. Em alguns casos, forjaram-se alianças de partidos sem grande afinidade, mas isso não parece ser um problema, pois tais acertos não foram feitos para durar. Passada a fase de escolha dos ocupantes dos principais postos do Congresso, a maior parte dos blocos vai se dissolver. 'O resultado das urnas é adulterado por esses blocos, que são de bolha de sabão. Pouco tempo depois de formados, o vento os leva e eles explodem', diz o deputado Walter Pinheiro (PT-BA).

SEDUÇÃO

Outro desvirtuamento parlamentar que dá sinais de ser invencível é a abertura ao jogo de sedução do governo - que também não costuma se furtar a usar todas as armas que tem à disposição para garantir adesões.

Na eleição para a presidência da Câmara, houve um prenúncio de que esse exercício tem vida longa. Um dos momentos de maior tensão ocorreu quando o subsecretário de Assuntos Parlamentares da Secretaria de Relações Institucionais do Planalto, Marcos Lima, começou a trabalhar no gabinete do candidato Arlindo Chinaglia (PT-SP), recebendo deputados que pediam a liberação de verbas federais. Lima anotava as solicitações e prometia avaliá-las com carinho, segundo apontou o principal adversário de Chinaglia, o deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), também governista.

Aliados de Aldo imediatamente detonaram uma operação para que o subsecretário deixasse o Congresso e o próprio candidato do PC do B telefonou para o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, pedindo para que o funcionário suspendesse suas atividades na Câmara e retornasse ao Planalto, reivindicação prontamente atendida.

Totalizados os votos registrados nas urnas eletrônicas da Câmara, Chinaglia saiu-se vencedor. Cerca de duas horas depois, seus partidários promoveram, num clube de Brasília, uma festa para celebrar o resultado. Lima estava lá, entre os petistas que confraternizavam.