Título: Dirceu: BC não deixa País crescer
Autor: Macedo, Fausto e Amorim, Silvia
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2007, Nacional, p. A13

Ao melhor estilo dos tempos em que era um dos homens fortes do governo Lula, o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu fez duras críticas ontem ao Banco Central e acusou a instituição de impedir o crescimento econômico. No conforto de um hotel de alto padrão no município de São Roque, em São Paulo, que abriga reunião a portas fechadas do Campo Majoritário, ala dominante do PT, Dirceu fez um discurso alinhado ao governo, com elogios ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), e enalteceu 'avanços da esquerda' na América Latina.

Dirceu, que saiu do governo após o escândalo do mensalão e teve o mandato de deputado cassado, falou por cerca de uma hora na abertura do segundo dia do seminário 'O Brasil que queremos' para uma platéia formada em sua maioria pelo PT paulista, núcleo mais forte do Campo Majoritário. O ponto alto do discurso foi quando criticou o BC. Arrancou aplausos dos presentes, entre eles os ministros Luiz Dulci (Secretaria-geral da Presidência) e Nilcéia Freire (Igualdade Racial), o presidente do PT, Ricardo Berzoini, o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e alguns investigados no escândalo do mensalão, como os deputados José Genoino (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP) e o ex-deputado Professor Luizinho (PT-SP).

Dirceu insistiu nos ataques ao Banco Central, reiteradamente defendido pelo presidente Lula. 'O BC errou na dose das medidas e tem constantemente trabalhado numa linha que segura o crescimento. Uma hora isso vai estrangular a economia.'

O descontentamento com a política de juros e de câmbio foi uma marca de Dirceu no primeiro governo Lula. Defensor de uma estratégia menos conservadora, o ex-ministro travou várias disputas com o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que não foi à reunião de ontem. A organização do evento proibiu a entrada da imprensa.

'As crises fazem parte do processo de democracia interna do PT. Ele sempre teve e é bom que continue tendo as crises, por isso cresceu', afirmou Berzoini.

Pelo menos em um ponto o presidente do PT e o ex-ministro concordaram: os dois foram só elogios ao PAC. Para Dirceu, o plano é uma 'revolução silenciosa', ao redistribuir renda e promover o crescimento econômico. Berzoini disse que o PAC também pode ser chamado de 'pacto com a coalizão numa proposta abrangente para tirar o País da crise'.

FEIJOADA

Dirceu pregou a integração da América Latina, enaltecendo 'avanços da esquerda', citando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e afirmou que o Brasil não pode ficar isolado.

Do encontro, que termina hoje, pode sair um documento com propostas para serem apresentadas no 3º Congresso do PT, em meados deste ano. Antes - no próximo fim de semana - , o Diretório Nacional se reunirá em Salvador. O hotel em São Roque, com 86 apartamentos e diárias a R$ 440, foi fechado especialmente para a reunião dos petistas. Os convidados desfrutaram de uma área verde com 40 mil metros quadrados, ornada por um pinheiral, piscina climatizada, vila hípica, salão de jogos, espaço para churrasco e salão de beleza. A reunião exclusiva custou para os organizadores petistas R$ 137 mil por três dias de acomodação. No meio da tarde, o debate foi interrompido para uma feijoada.

O encontro, convocado para discutir o futuro desse grupo petista, tem como pano de fundo uma tentativa de reestruturar e fortalecer o Campo Majoritário, dilacerado após a série de escândalos no governo Lula que atingiu em cheio muitos de seus representantes. O abalo sofrido pelo grupo foi tão grande que a proposta internamente é mudar de nome para 'Construindo um novo Brasil'.

Nos bastidores da reunião foi discutido o projeto de anistia de Dirceu. 'A campanha dele tem um grande respaldo na sociedade. Acho que ele consegue mais do que um milhão de assinaturas', disse o secretário-geral do PT em São Paulo, João Antônio. Para ser admitido no Congresso, o projeto deve somar pelo menos 1,5 milhão de adesões.