Título: Líder foi formado nas escolas do movimento
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2007, Nacional, p. A18

As ações do MST em Roraima têm novo coordenador. Chama-se Ezequias David da Silva. Tem 26 anos, é pernambucano e faz parte da nova geração de líderes - que cresceu em assentamentos e já passou pelas escolas de formação que o movimento espalha pelo País. Entre outras, já passou pela Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema, interior de São Paulo, onde estudou a história dos movimentos sociais. 'A história do Brasil nunca foi calma como tentam fazer a gente acreditar. Foi palco de muitas disputas, de lutas sangrentas', diz ele, lembrando o que aprendeu.

Ezequias integra um bloco de cerca de 200 militantes que se dedicam em tempo integral às tarefas de organização dos sem-terra no País. Para ele, a militância, iniciada aos 14 anos, está acima de tudo. Até da família: 'Tive que me separar da primeira mulher porque achou que estava acima do MST.'

Ele saiu de Gravatá (PE) há pouco mais de um mês, deixando para trás a mulher e duas filhas pequenas. Sua missão em Roraima é dar continuidade ao trabalho iniciado por Jaime Amorim - o líder da organização em Pernambuco, que, em julho, pegou um avião e foi comandar a primeira ocupação de terra com a bandeira do MST em Roraima.

Atualmente Amorim só vem esporadicamente a Boa Vista. Em Pernambuco, continua organizando ocupações e formando líderes. Sua seção é uma das que mais exportam militantes.

Ezequias vive provisoriamente na periferia de Boa Vista, numa casa alugada pelo MST que serve como ponto de passagem de militantes. É um sujeito conversador, simpático, mas não se espere comentários brilhantes sobre cultivo da terra. Sua preocupação é a organização das pessoas, ou, como diz ele, 'a força do coletivo'.

Sobre o fato de muitos assentamentos apresentarem baixa produtividade, diz: 'Se o assentado produzir para sobreviver como cidadão já é um avanço. É melhor para o trabalhador do que viver na periferia das cidades, com os filhos ameaçados pela droga e a marginalidade.'

Ele não é entusiasta do Bolsa-Família: 'É interessante para quem passa fome e tem urgência. Mas pode acomodar. O melhor seria usar o dinheiro para desapropriar terras.'

Comentando as desigualdades sociais, diz: 'A causa é a elite atrasada, que pensa que o Brasil é só para ela.' Sobre as críticas ao MST, rebate: 'A classe trabalhadora organizada sempre meteu medo na elite.'

Ele diz que o MST foi a Roraima porque o Incra não tem uma política para distribuição das terras públicas: 'Se deixar, vai tudo para meia dúzia de grandões do agronegócio, que não produz alimentos. Dá para acreditar que o quilo do tomate em Boa Vista custa R$ 4?'

A rigor, os R$ 4 refletem sobretudo o fracasso dos 47 assentamentos do Estado. A finalidade principal deles era produzir alimentos mais baratos.