Título: MST invade áreas públicas em Roraima para conter agronegócio
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2007, Nacional, p. A18
O Movimento dos Sem-Terra (MST) acaba de realizar mais uma ocupação em Roraima - a nona desde que a organização fincou sua bandeira naquele Estado, seis meses atrás, anunciando que pretendia conter o avanço do agronegócio. Dessa vez o movimento reivindica para a reforma agrária uma vastidão de terras públicas, com quase 100 mil hectares, quase todos cobertos de matas, nos quais prevê o assentamento de mil famílias de sem-terra.
O novo acampamento com a bandeira do MST fica a quase 100 quilômetros da capital, na divisa dos municípios de Cantá e Bonfim, a leste do Estado. Com seus barracos sendo erguidos na mesma semana em que o governo federal comemorou o fato de ter assentado 381 mil pessoas em quatro anos, ele simboliza como poucos as contradições do processo da reforma agrária brasileira - no qual o número de assentamentos parece importar mais que a qualidade.
A mais recente ocupação do MST foi bem estudada. Para a escolha do local, a organização contou com o apoio de um mateiro experiente, Francisco Gualu. Ex-vaqueiro e ex-funcionário da Mendes Júnior, ele vive na região desde os anos 80 e sabe se orientar na mata com um pequeno aparelho de GPS que leva na cintura. Foi esse aparelho que lhe permitiu desaparecer por 31 dias na floresta, dedicando-se a demarcar a área que o movimento quer transformar em assentamento e a verificar a existência de grileiros e posseiros.
No primeiro dia da ocupação, a caminho do local, no casebre de um lavrador simpatizante dos sem-terra, o mateiro estendeu sobre uma mesa um enorme mapa da região, produzido pelo Ministério do Exército, e apontou aos líderes a área da ocupação. Desceu o dedo áspero pela superfície lisa do papel, até um ponto onde já estavam riscados a caneta alguns pequenos retângulos, e explicou: ali deverão ficar os primeiros lotes, próximos ao Rio Cachorro, entre as Serras da Lua e Baraúna.
Ele ainda apontou, a leste, a quase 60 quilômetros de distância, pelas suas estimativas, o território da Guiana Inglesa. E, ao norte, a uns 300 quilômetros, a Venezuela de Hugo Chávez.
Apesar do ar de encantamento das pessoas que ouviam o mateiro, as possibilidades do futuro assentamento fracassar são enormes. O primeiro indicador disso podia ser visto ali mesmo, na estradinha à margem da qual o grupo conversava.
Ela é uma vicinal aberta semanas atrás no Projeto Taboca, assentamento de 20.411 hectares criado em 1997, que nunca deslanchou. Segundo informações dos moradores que ainda resistem no local, a maior parte das casas construídas com dinheiro público para os assentados já ruiu, por abandono.
SÓ CAPIM
Nas agrovilas do Taboca não se vêem tratores, depósitos de grãos, sedes de cooperativas, nem locais para beneficiamento de alimentos. Num dos muitos bares que proliferam nestas agrovilas, o repórter pediu um limão. 'Não tem por aqui', respondeu a proprietária, que também é dona de um lote. Indagada sobre a sua produção agrícola, foi seca: 'Lá tem capim e um barraquinho que construí.'
Passados dez anos desde sua criação, no assentamento ainda existem lotes que não contam com acesso a estradas. 'Se o agricultor consegue produzir alguma coisa nessa terra, que já não é muito boa, não tem como tirar. A produção apodrece por lá', diz o presidente da Associação dos Produtores do Taboca, Luís Pereira de Araújo.
Outro assentado, Joaque Roche, admitiu que boa parte dos colegas não conhece técnicas agrícolas e não tem assistência técnica: 'Nesse ano resolvi plantar melancia e perdi tudo, pois deu uma praga que não conhecia e não consegui controlar.'
O Taboca é uma pequena parte do problema da reforma agrária em Roraima. A maior parte dos 47 assentamentos implantados no Estado, antes da chegada do MST, nunca foi adiante. Seus 1,2 milhão de hectares pouco produzem.
Em Boa Vista, técnicos da superintendência regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) calculam que chega a 3.200 o número de lotes abandonados nos assentamentos - num total de 17 mil. Há quem acredite que o número é subestimado.
Existem assentamentos com lotes que nunca foram ocupados. Em outros, quem abre as estradas de acesso são tratores contratados por madeireiras - que terão prioridade na compra da madeira. Um desses tratores trabalhava dias atrás na estrada de acesso ao Jatobá, assentamento situado a 170 quilômetros de Boa Vista.
Em Brasília, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, admite que a situação dos assentamentos é precária e será preciso um enorme esforço para a sua recuperação: 'Trata-se de um dos piores locais do País quando falamos de reforma agrária.'
Apesar dos registros desanimadores, o MST promete intensificar as investidas. Ao mesmo tempo em que exige novas áreas, o movimento reocupa antigos assentamentos - com a intenção de reanimá-los, sempre pedindo novas injeções de recursos ao Incra.