Título: Ação coletiva pode gerar indenização bilionária
Autor: Sant'Anna, Emilio
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2007, Vida&, p. A30

Enquanto vitórias individuais de ex-fumantes contra as empresas de cigarro caminham lentamente, uma decisão da 19ª Vara Cível de São Paulo pode tirar o sono das duas maiores fabricantes do País. A sentença, dada pela juíza Adaísa Bernardi Isaac Halpern, obriga a Philip Morris e a Souza Cruz a indenizarem todos os fumantes do Estado de São Paulo.

Resultado de uma ação coletiva, proposta pela Associação de Defesa da Saúde do Fumante (Adesf), a decisão é inédita no País. 'Na pior das hipóteses, isso abrirá um caminho inusitado na Justiça brasileira', diz o advogado Mário Albanesi, presidente da Adesf. As empresas recorreram e o processo aguarda julgamento no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). O valor da indenização ainda não foi estipulado, mas a associação calcula que possa passar de R$ 30 bilhões se a decisão for expandida para todo o Brasil.

A juíza explica que a sentença equipara as obrigações das empresas de cigarro com as de qualquer outra. 'A decisão baseou-se fundamentalmente no Código de Defesa do Consumidor e em artigos da Lei Civil', argumenta.

Para o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), as ações coletivas podem ser bem-sucedidas. Segundo ele, um dos fatores que ajudam as empresas a conseguir resultados positivos na Justiça é a dificuldade em se estabelecer o nexo causal, ou seja, provar a relação entre a doença desenvolvida e o uso do cigarro. 'É mais fácil provar, por exemplo, o aumento dos gastos para a saúde pública causados pelo fumo', diz. 'É um caminho.'

Uma iniciativa do Instituto Nacional do Câncer (Inca) pode ajudar a estabelecer esse gasto. De acordo com Valéria Cunha, chefe-adjunta da divisão de controle do tabagismo do Inca, o instituto está promovendo um estudo sobre os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) por doenças. 'A maioria das pesquisas é epidemiológica e as empresas alegam que não podem se basear nesses estudos, que eles deveriam ser analisados caso a caso', afirma. 'Mas não podemos expor uma pessoa a um fator de risco como esse para medir os resultados.'

Os riscos podem ser estimados pelo número de substâncias tóxicas presentes na fumaça dos cigarros, cerca de 4.700. 'A única que causa dependência é a nicotina, substância classificada pela Organização Mundial de Saúde como droga psicoativa', diz Valéria. 'Ela chega ao cérebro em apenas nove segundos. A cocaína leva em média 15 segundos.'