Título: Aumento do trabalho formal adia o inevitável
Autor: Sobral, Isabel e Oliveira, Ribamar
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2007, Economia, p. B4

O aumento do número de trabalhadores com carteira assinada, principalmente, deu um alívio às contas da Previdência no governo Lula. Em 2006, pela primeira vez, o déficit dos segurados urbanos do INSS caiu, em termos nominais e reais ante o ano anterior. Foi de R$ 13,54 bilhões em 2005 para R$ 13,5 bilhões em 2006. Essa trajetória de relativo controle das contas previdenciárias na área urbana vai durar mais algum tempo, mas tem prazo para acabar, avalia o ministro da Previdência, Nelson Machado, em entrevista ao Estado.

¿A perspectiva é de que o emprego formal continue crescendo. Mas há outra força contraditória chegando, que é o envelhecimento da população e a maior longevidade das pessoas¿ , disse. ¿A tendência é de entrar mais gente (para receber benefícios) do que de sair.¿

O ministro não informou quanto tempo ainda o déficit previdenciário na área urbana continuará bem comportado. ¿Não tenho dados para falar num prazo¿, desconversou. É justamente por causa dessa ameaça demográfica que o governo quer, segundo Machado, submeter o sistema previdenciário à discussão do Fórum Nacional, criado no fim do mês passado pelo presidente Lula.

Em reunião, na semana passada, com nove ex-ministros da Previdência, Machado recebeu da maioria um pedido para que a reforma seja feita logo. ¿Respeito a opinião deles, mas a nossa estratégia é ouvir primeiro a sociedade¿, disse Machado. ¿Não vamos propor mudanças de regras para os próximos quatro anos, a não ser de gestão, porque o déficit não é explosivo¿, justificou.

A proposta apresentada por Machado aos ex-ministros prevê alterações nas regras com repercussão só ¿em 2030 ou 2040¿. O ex-ministro Waldeck Ornellas, que ocupou a pasta no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, acha que essa velocidade não é adequada. ¿A reforma tem de ser agora porque o problema é já¿, disse.

O ministro admitiu que ¿a velocidade e a intensidade com que vai ocorrer¿ (a reforma) será dada pelo fórum. ¿Naquilo que houver consenso sobre o que deve ser o futuro, será enviado imediatamente ao Congresso¿, garantiu. A impressão dos especialistas, que Machado contesta, é a de que o governo, ao montar o fórum, não quer assumir o desgaste da reforma.

O presidente Lula ganhou fôlego para adiar a solução do problema por causa, principalmente, da formalização da economia. Nos últimos quatro anos, o País criou cerca de 4,5 milhões de empregos formais. Esse número de trabalhadores e seus patrões passaram a contribuir para a Previdência, com alíquota conjunta de 31%.

Para se ter uma idéia, a receita líquida da Previdência do setor urbano em 2006 cresceu 13,9%, ante um aumento de 8,4% dos tributos arrecadados pela Receita Federal. Em 2005, a arrecadação previdenciária no setor urbano já tinha crescido pouco mais que a receita administrada pela SRF: 16% contra 15,5%.

Na opinião de Machado, não foi só a formalização da mão-de-obra que permitiu a redução do déficit. Para ele, as melhorias da gestão também ajudaram muito. ¿O censo previdenciário foi fundamental, pois aumentou a velocidade de suspensão dos benefícios (irregulares) e colocou em pauta uma coisa importante: moçada, a Previdência está de olho¿, observou.

A percepção das pessoas de que a fiscalização ficou mais eficiente ajudou a melhorar as contas. ¿Aquele cartão da sua avó que morreu e que você ainda tem, devolva porque senão vai ser pego¿, alerta o ministro. Uma terceira razão, segundo ele, foram os aumentos do salário mínimo acima da inflação, que elevaram a massa de recursos sujeitos à contribuição previdenciária.

A situação da Previdência no campo, no entanto, é de déficit crescente (reportagem na pág. B5). Machado considera que o primeiro passo da discussão no fórum deve ser o de ¿clarear as contas¿.Ou seja, separar as despesas do INSS. Para ele, existe ¿um déficit de informação¿ na sociedade sobre o tema. ¿Todo mundo só olha para os R$ 42 bilhões de déficit, um número que mistura gato e sapato¿, disse. ¿É preciso tornar os dados compreensíveis para todos os atores (do fórum)¿.

A proposta do ministro, que faz parte de uma minuta de medida provisória em análise no Ministério da Fazenda, prevê que o Tesouro Nacional ressarcirá a Previdência pelas renúncias de receitas decorrentes de políticas públicas. Por exemplo, a isenção da contribuição previdenciária de hospitais deve ser debitada do Ministério da Saúde; a de escolas, do Ministério da Educação.

Nas contas do ministro, as renúncias previdenciárias somam R$ 18 bilhões. Mas o Tribunal de Contas da União (TCU) só admite R$ 11,5 bilhões, pois considera que Machado incluiu nos cálculos subsídios decorrentes de regimes previdenciários especiais instituídos pela Constituição, como aqueles relativos ao empregador doméstico e ao segurado especial.

Machado quer também que a Fazenda considere receita própria da Previdência a parcela da CPMF que a Constituição destinou à área. Da alíquota de 0,38% da CPMF, 0,1 ponto porcentual (R$ 8,4 bilhões) é destinado constitucionalmente à Previdência. Se forem deduzidos os R$ 11,5 bilhões das renúncias e somada a parcela da receita da CPMF, o déficit previdenciário do setor urbano cairia, segundo as contas do ministro, para R$ 3,8 bilhões. O déficit total do sistema seria de R$ 22 bilhões, não de R$ 42,06 bilhões.