Título: 'O Pacto de Moncloa pode ser um bom exemplo'
Autor: Caldas, Suely
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2007, Economia, p. B4

O governo optou por entregar inteiramente aos integrantes do Fórum da Previdência a responsabilidade de mudar regras na aposentadoria capazes de reduzir o enorme desequilíbrio financeiro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Não vai propor para debate temas como a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo e aposentadorias antecipadas, que especialistas de A a Z colocam no topo de um projeto de reforma. Nesta entrevista ao Estado, o ministro da Previdência, Nelson Machado, adianta poucos temas que o governo está disposto a levar para o fórum.

Com exceção da obrigatoriedade da idade mínima para aposentadoria, que afeta mais a classe média do que os pobres, os demais itens não chegam a arranhar o megadéficit da Previdência.

O ministro confia que o Fórum da Previdência não terá o mesmo fim do trabalhista, que não produziu nenhuma proposta, no primeiro mandato de Lula. E, apesar de constituído pelas mesmas centrais sindicais de empresários e trabalhadores, que nunca se entenderam no Fórum Trabalhista, ele acredita que o da Previdência 'não vai se transformar em nenhuma torre de Babel'.

Em declarações que fez esta semana, o sr. deu a entender que a separação das contas do INSS é pré-condição para mudar regras na Previdência. Quais serão os desdobramentos?

Cada coisa a seu tempo. Vamos primeiro entender o fenômeno. Quantificar a aposentadoria rural e a renúncia fiscal do Simples e transferi-las para o Tesouro, transferir as isenções das entidades filantrópicas para os Ministérios da Saúde e da Educação e benefícios sociais para o Ministério do Desenvolvimento Social. Faz sentido também unificar as receitas tributária e previdenciária na Receita Federal. Se fizermos isto, o déficit dos trabalhadores urbanos cai de R$ 13,5 bilhões para R$ 3,8 bilhões.

E o próximo passo? O ex-ministro José Cechin critica a omissão do governo ao entregar a reforma para o Fórum Previdenciário sem nenhuma proposta concreta para iniciar a discussão. Como será o debate?

Em vez de fazer um projeto inicial articulado, optamos por buscar consenso no fórum e só depois nomear uma comissão técnica para redigir a proposta. Vamos discutir em cima de temas como obrigatoriedade de idade mínima para aposentadoria, as inúmeras pensões dentro da mesma família e a acumulação de benefícios.

Só? E a desvinculação do piso de aposentadoria do salário mínimo?

Por enquanto não fechamos o temário. Caberá ao fórum fazê-lo.

A experiência do Fórum Trabalhista fracassou porque as centrais sindicais não se entenderam. Não há o risco de uma outra torre de Babel no Fórum da Previdência?

Sou otimista por profissão, os líderes sindicais estão amadurecendo e há maneiras de construir consensos, inclusive seguindo experiências internacionais.

Por exemplo, ministro?

O Pacto de Moncloa, na Espanha (reunião de partidos políticos realizada em outubro de 1977, no Palácio da Moncloa, em Madri, que definiu um acordo amplo de reformas na economia espanhola, inclusive a reforma previdenciária).

Situação muito diferente, ministro. A Espanha acabava de sair de uma longa ditadura. Todas as forças políticas convergiram em nome da democracia.

Mas estou certo que chegaremos ao consenso. As condições são favoráveis. Se não conseguirmos, foi falha nossa.

Se o fórum não chegar a um consenso em seis meses, o prazo será prorrogado indefinidamente, como foi o trabalhista?

O próprio fórum vai decidir se o debate vai ou não continuar. Queremos discutir à exaustão. Com os números do IBGE sobre expectativa de vida, estamos construindo cenários do impacto do envelhecimento da população nas despesas da Previdência. Também o trabalho formal, com carteira assinada, tem se elevado. Pouco, é verdade, mas a curva foi invertida. Estamos medindo o efeito sobre a Previdência Social. No primeiro momento do fórum vamos trar de harmonizar as informações, evitar celeumas e desencontros de números.

Mudanças de regras vão valer só para quem começar a trabalhar depois da reforma, se houver? Os que estão no sistema hoje não serão afetados?

O que eu digo é que não vamos propor mudanças que alterem o direito dos que estão para se aposentar. É isto.

O fórum vai discutir também mudanças na Previdência dos funcionários públicos?

Não. Essta reforma foi feita no primeiro mandato. Falta criar o fundo de pensão para quem entrar no serviço público, mas vamos enviar o texto ao Congresso ainda este mês.

Estados e municípios estão de cofres vazios. Como irão pagar seus aposentados e depositar quantias crescentes no fundo de pensão? Vão acabar não constituindo fundo algum.

Nada, o setor público tem contratado pouco. Portanto, a despesa extra com o fundo de pensão não será tão elevada. Eles têm condições de bancar.