Título: Subsídios não mudam com cortes de Bush
Autor: Rehder, Marcelo
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/02/2007, Economia, p. B10

Apesar dos cortes propostos pelo presidente George W. Bush na semana passada, os subsídios agrícolas dos Estados Unidos considerados distorcivos pouco devem mudar se comparados com os valores concedidos nos últimos cinco anos.

Simulação feita pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) mostra que se as regras que fazem parte do projeto para a revisão da lei agrícola americana, conhecida por Farm Bill, tivessem vigorado entre 2002 e 2006, período da lei anterior, os EUA teriam desembolsado aproximadamente a mesma média anual de US$ 15 bilhões que destinaram para o pagamento de subsídios que afetam de forma negativa o mercado mundial.

'A proposta da forma como foi formulada é incapaz de permitir os avanços necessários para um desfecho das negociações comerciais da Rodada Doha', afirma Marcos Jank, presidente do Icone, que é financiado por grandes associações agrícolas. 'Mas o documento vai na direção correta, no sentido de abrir uma porta para que o negociador americano possa avançar em idéias e propostas na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Segundo ele, o texto de 183 páginas divulgado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) indica transferência de recursos para programas menos distorcivos, ainda que de forma tímida.

Pelo estudo do Icone, caso as novas regras propostas pelo governo americano tivessem sido aplicadas nos últimos cinco anos, haveria uma redução no valor médio dos quatro anos de US$ 1,8 bilhão nos subsídios destinados a políticas de preços mínimos; créditos de custeio, investimento e comercialização; isenções fiscais e pagamentos complementares, que compõem o grupo que mais afeta o mercado internacional, denominado Caixa Amarela.

Nesse caso, esses recursos seriam transferidos para programas de complementação de renda e pagamentos contracíclicos, ou seja, quanto mais os preços caem mais os produtores recebem para garantir determinada remuneração ao agricultor. Da mesma forma, se os preços sobem, o subsídio cai. Nesse grupo, que distorce menos o comércio (Caixa Azul), haveria um incremento estimado em US$ 1,5 bilhão. Outros US$ 700 milhões iriam para subsídios a programas que não afetam o mercado (Caixa Verde), como infra-estrutura, pesquisa, meio ambiente e reforma agrária, entre outros, enquanto US$ 400 milhões engrossariam outros programas.

A proposta levada ao Congresso pelo governo americano prevê corte de US$ 18 bilhões nos subsídios aos produtores agrícolas nos próximos cinco anos. No total, o projeto estima gastos com subsídios de US$ 87 bilhões nesse período, ante US$ 105 bilhões nos cinco anos anteriores. Esses montantes referem-se a todos os recursos que vão para os agricultores, incluindo programas que não afetam o comércio.

Nas discussões na OMC, os EUA se propuseram a limitar os subsídios distorcivos concedidos aos seus agricultores em US$ 22 bilhões. O G- 20, grupo dos países em desenvolvimento, liderados por Brasil e Índia, quer que o limite seja de US$ 12 bilhões, enquanto a União Européia fala em US$ 16 bilhões.

Marcos Jank explica que a destinação média anual de apenas US$ 15 bilhões só foi possível nos últimos cinco anos porque foi um período de preços internacionais muito favoráveis. Com isso, o subsídio caiu, em razão do pagamento anticíclico. 'O governo americano quer garantir a possibilidade de usar bem mais do que isso caso os preços caiam nos próximos cinco anos.'

O presidente do Icone vê alguns pontos positivos na proposta da nova Farm Bill. Entre eles, cita novos e pesados subsídios para pesquisa e desenvolvimento na chamada agroenergia, que superam US$ 2 bilhões.

'O interesse dos americanos no etanol é bom para o Brasil, pois somos o maior exportador mundial desse combustível e temos um preço muito competitivo, cerca de 30% menor que o dos EUA', diz Jank.

Apesar disso, os americanos são os maiores produtores e consumidores do combustível. Sua produção está em torno de 16 bilhões de litros por ano, ligeiramente acima da brasileira. 'O fato deles estarem investindo mais é bom no sentido de consolidar o mercado de etanol.'