Título: Célula-tronco de tecido adiposo é usada no coração
Autor: Rodrigues, Karine
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2007, Vida&, p. A15

Um paciente de 67 anos se tornou o primeiro no mundo a receber implante de células-tronco adultas derivadas da gordura de seu abdome no coração, em cirurgia realizada no Hospital Gregorio Marañón, em Madri.

O chefe do setor de Cardiologia do hospital, Francisco Fernández Avilês, apresentou ontem detalhes da operação, considerada um ¿marco¿. O médico ressaltou, no entanto, a necessidade de prudência sobre os resultados da cirurgia. ¿Estamos confiantes, mas agora teremos de ver se ela é mais eficaz que outros tratamentos.¿

A intervenção, realizada na terça-feira passada, consistiu na extração de 300 gramas de gordura do abdome do paciente através de uma lipoaspiração. Da gordura, a equipe separou as células-tronco mesenquimais. As células-tronco, adultas ou embrionárias, têm a habilidade virtual de formar qualquer tecido do corpo. As mesenquimais - também presentes na medula óssea - têm boa capacidade de reparar os vasos do coração. Era justamente essa operação a que o paciente precisava ser submetido.

Normalmente, esse tipo de terapia usa um tecido preparado especialmente para esse fim. O processo, porém, dura três semanas. A nova cirurgia permite que dure só duas horas, entre retirada da gordura e separação de células.

Após ser limpa, a gordura obtida foi introduzida por Avilês e pelo cardiologista americano Emerson Perin no coração do paciente por meio de um cateter, com o qual foram implantadas 28 milhões de células mesenquimais nos pontos do coração onde era possível obter melhores resultados.

O paciente, que teve alta 48 horas após a cirurgia, está se recuperando satisfatoriamente e será acompanhado durante seis meses.

O médico revelou que um dos aspectos mais promissores da pesquisa é o fato de as células mesenquimais da gordura provocarem menor rejeição quando implantadas em outra pessoa. Com isso, abre-se a possibilidade de que as salas de cirurgia sejam abastecidas futuramente com gordura armazenada especificamente para esse fim terapêutico.

Essas células teriam papel melhor que o das musculares na recuperação de tecidos, com maior capacidade de multiplicação.

PESQUISA CLÍNICA

A cirurgia faz parte de um amplo estudo do qual participarão outros 36 pacientes e cuja fase clínica será desenvolvida no próprio Hospital Gregorio Marañón. A intervenção já foi realizada com sucesso entre animais, e agora estão sendo feitos os testes de segurança e de comprovação. ¿O objetivo é saber se, além de segura e possível, é eficaz¿, disse Avilês.

Segundo o cardiologista, é necessário esperar pelo menos um ano antes de aplicar o tratamento em grupos maiores, de 500 pacientes. Por isso, até se tornar uma intervenção rotineira, esse tipo de operação deve demorar entre três e cinco anos para se tornar comum nas salas de cirurgia.

A técnica poderia ser utilizada em pacientes que apresentam falha no bombeamento cardíaco após sofrer um enfarte, ou então que possuam má irrigação e não contem com tratamento alternativo. Esse é o caso de 5% da população com doença coronária.

Na cirurgia da semana passada, o paciente tinha angina, entre outros problemas cardíacos. Ele havia sido submetido a uma cirurgia de ponte de safena com colocação de stents (molas ou malhas de aço inoxidável).

O cardiologista afirmou que ¿o benefício da técnica ainda é tão duvidoso¿ que, ao dizer ao paciente que podia se submeter a ela, os médicos focaram nos perigos da cirurgia. Foi um risco calculado, uma vez que as operações - lipoaspiração e cateterismo - são consideradas como de rotina.

DERMATOLOGIA

As células-tronco retiradas da gordura de lipoaspirações também estão sendo pesquisadas no Brasil. Os testes são conduzidos pelo biólogo Radovan Borojevic, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que obteve resultados promissores: as células-tronco encontradas no tecido adiposo conseguem se diferenciar em pele, cartilagem e osso, promovendo a regeneração de tecidos. Borojevic também foi responsável por estudo pioneiro de terapia celular em cardiopatias.

¿O tecido adiposo é ricamente vascularizado. Tem uma rede de vasos de pequeno calibre, onde encontramos as células-tronco. Em 95% dos casos, há criação de osso e cartilagem¿, observa Borojevic , que é diretor do Banco de Células Humanas do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ. Após comprovar o poder de diferenciação e de formação de tecidos, o biólogo partiu para os testes em humanos, ainda limitados a correções na pele. ¿A cicatrização é mais perfeita. O aspecto da pele fica mais próximo do normal¿, diz.

Coordenado pelo cirurgião plástico Cesar Cláudio da Silva, da UFRJ, o ensaio clínico foi feito com 15 mulheres. Foram feitos três tipos de implante, para reparar marcas de acne e rugas: um só com células-tronco, outro com material tradicional e um terceiro, com a combinação dos dois. No laboratório, as células-tronco foram separas das células de gordura e passaram por lavagem. Depois de dez dias, retornaram para o cirurgião fazer o implante.

A dona de casa Maria do Carmo Baptista, de 60 anos, já havia recorrido ao botox para suavizar marcas no rosto e aceitou testar a terapia celular. ¿A pele está ótima, mas ainda não posso dizer qual tratamento é mais eficaz¿. Já a técnica em química Ana Maria Rodrigues Lima, de 44 anos, diz que o resultado melhora a cada dia. ¿É como se o tecido tivesse se formado mesmo¿, conta ela.

¿Queremos saber se a terapia celular terá resultados mais duradouros que a técnica tradicional, que dura cerca de seis meses. Sabemos apenas que o tecido adiposo retirado da coxa tem dado melhores resultados que o do abdome¿, diz Silva.