Título: Assustando o investidor
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Além de comandar a execução do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff, deverá supervisionar as relações entre agências reguladoras e os demais órgãos do governo, marcadas nos últimos quatro anos por numerosos conflitos. Essa função está associada oficialmente a uma inovação de nome tão enrolado quanto pomposo: Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação. O trabalho de coordenação e pacificação seria muito bem-vindo noutra circunstância, mas, neste caso, apenas confirma a insistência num erro: a manutenção das agências como órgãos subordinados aos Ministérios e a interesses políticos.

Com mais essa atribuição, a ministra Rousseff, já considerada uma espécie de gerente-geral do governo, consolidará sua posição de figura mais forte do Ministério. A escolha de um gerente-geral - quase um primeiro-ministro - pelo presidente Lula é uma decisão de sua alçada exclusiva e reflete um estilo de gestão. Ruim é o sentido político dessa iniciativa, contrária a uma das mais importantes inovações administrativas ensaiadas nos últimos dez anos.

O governo importou na década passada o conceito de agências reguladoras como órgãos de Estado, não de governo. Sua função seria definir normas estáveis, impessoais e imunes a oscilações político-partidárias para o funcionamento de setores essenciais à economia, como telecomunicações, eletricidade e transportes. Haveria uma separação entre as decisões políticas de longo alcance, dependentes do Executivo e do Legislativo, e as tarefas de fixação de regras, fiscalização e supervisão das atividades de cada setor. Previsibilidade, estabilidade e segurança seriam as principais vantagens do esquema, comprovadas noutros países.

São condições altamente valorizadas pelos investidores. É difícil convencê-los a imobilizar capital em atividades produtivas, especialmente em projetos de amortização demorada, como os de infra-estrutura, quando não há garantia de regras estáveis e de respeito a contratos. Excesso de burocracia e lentidão do sistema judicial são desvantagens bem conhecidas e pesam contra o Brasil nas decisões de investimento. Não só os estrangeiros se afastam. Também os empresários nacionais levam em conta esses dados quando resolvem aplicar seu capital. Agências reguladoras poderiam atenuar esses defeitos, tornando o País mais atraente para capitais.

Apesar disso, o governo petista fez o possível para enfraquecer as agências e submetê-las ao controle político do Executivo. Antonio Palocci, na Fazenda, foi um dos poucos ministros a resistir a essa tendência, empenhando-se em consolidar as agências como organismos autônomos operacionalmente. Esses ministros foram derrotados.

Desde o início do primeiro mandato, em 2003, houve tentativas de subordinar as agências ao controle político dos ministros. O primeiro conflito ocorreu na área de comunicações. Outros ocorreram, com a tolerância do presidente Lula. O projeto de regulamentação das agências mandado ao Congresso pelo Executivo confirmou a intenção de restabelecer o predomínio da ingerência política nas decisões sobre infra-estrutura. O setor privado reagiu da forma previsível, criticando o projeto e deixando clara sua insegurança.

A regulamentação do setor elétrico apenas confirmou a tendência de subordinar a política de infra-estrutura à restauração do estatismo e às manifestações de voluntarismo dos governantes. O recuo dos investidores foi a resposta. Mas o governo foi além, aparelhando politicamente as agências e criando todo tipo de obstáculos ao seu funcionamento. Várias passaram longo tempo sem diretores em número suficiente para deliberar.

Ao manter essa orientação, o presidente Lula desperdiça um elemento importante para a realização do PAC. Se, em vez disso, anunciasse o propósito de fortalecer as agências, oferecendo maior segurança aos investidores, mandaria um sinal positivo ao mercado e despertaria a boa vontade em relação a seu plano. Também por esse lado o PAC começa muito mal.