Título: Com que armas se luta no PT
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Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2007, Notas e Informações, p. A3

Teve menos destaque do que merecia no noticiário político de ontem a informação de que o ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, deu o dito pelo não dito e expurgou da "Mensagem ao Partido¿, de que é o principal autor e signatário, a expressão ¿crise de corrupção ética e programática" - a mais frontal acusação já feita por um petista cinco-estrelas à elite dirigente da legenda, o chamado Campo Majoritário, desde que o termo mensalão se incorporou ao léxico político brasileiro. Em 2005, quando se preparava para assumir a presidência interina da sigla, depois da queda em desgraça do titular José Genoino, o ex-prefeito de Porto Alegre, à época ministro da Educação, lançou a palavra de ordem da ¿refundação¿ do partido - o que significaria uma ruptura com o pragmatismo desprovido de qualquer senso ético do dispositivo petista de poder encabeçado pelo ainda ministro e deputado José Dirceu.

Prova da hegemonia do companheiro hiper-realista entre os seus, a idéia foi logo sepultada sem choro nem vela. Eis que, reeleito Lula, Genro tratou de exumá-la, no bojo de um documento a que veio se dedicando a partir de então, com o intuito de roubar a cena do 3º congresso da agremiação, marcado para julho, com pré-estréia no encontro do seu diretório nacional este sábado em Salvador, emendando com a comemoração dos 27 anos da sigla. O objetivo último, criar uma relação de forças que desembocasse na eleição (antecipada) de um novo comando partidário, inequivocamente à esquerda do atual e presumivelmente menos propenso ao pragmatismo que deu no mensalão e, há pouco, no escândalo do dossiê Vedoin. Para acuar o Campo e impedir o segundo passamento da refundação, Genro radicalizou, incluindo na mensagem a escaldante referência à corrupção.

No fim de semana passado, a versão ainda não definitiva do texto vazou na internet. Tão violenta foi a reação dos que vestiram a carapuça que a corrupção soçobrou, levando consigo a refundação dos sonhos do ministro. Vencido e à falta de melhor, ele tentou justificar o recuo, falando em ¿repercussão enviesada¿, como quem culpa a imprensa pelo impacto que o uso do substantivo até então tabu no petismo - corrupção - provocou. Em si mesma, a capitulação tática de Genro, que deve estar ruminando como poderá conseguir o que pretende sem afrontar o apparat partidário com verdades tão inconvenientes, não mereceria mais tinta e papel do que com ela se gastou. Seria apenas outro episódio dos desentendimentos ideológicos, políticos e pessoais que fizeram do PT uma verdadeira federação de facções, o que não se atenuou nem sequer com os dois triunfos eleitorais de seu nume tutelar.

O importante, no caso, é a revelação de que a volta atrás do ministro não se deveu apenas aos duros protestos dos atingidos e às costumeiras invocações do imperativo de preservar acima de tudo a unidade partidária. A reportagem de ontem, deste jornal, sobre a nova versão da "Mensagem do Partido¿ informava que um exasperado José Dirceu ameaçou divulgar ¿todas as doações que ele recebeu quando candidato ao governo do Rio Grande do Sul" (em 2002). Ou seja, uma insinuação sibilina, de que Genro também teria os seus esqueletos no armário e, em outras palavras, deveria refundar-se a si próprio antes de pregar a refundação alheia, o teria levado abruptamente a considerar encerrada a polêmica, conforme declarou. Dirceu pode, ou não, saber do que está falando. Em qualquer hipótese, o ponto a salientar, pelo que contém de instrutivo em relação ao PT, descontadas as diferenças e rivalidades entre os seus diferentes campos, é a modalidade de armamento utilizado para silenciar adversários. O seu nome, em português corrente, é chantagem.

Quando discursou em plenário pouco antes da sua eleição afinal vitoriosa para a presidência da Câmara, o deputado petista Arlindo Chinaglia se qualificou para fazer jus aos votos dos colegas que temem porque devem ao decretar que o passado passou. ¿A crise¿, tranqüilizou, "é da legislatura anterior." Essa é também a atitude predominante no PT, decerto com o aval do presidente Lula: nada de remexer o entulho das mazelas éticas da companheirada. Não só por autodefesa, mas porque talvez seja difícil saber quem tem um telhado que não seja de vidro.