Título: 'Mexer no time não tem cabimento'
Autor: Abreu, Beatriz
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2007, Economia, p. B3
Apesar da onda de críticas à política cambial, alimentada principalmente por petistas de dentro e de fora do governo, não haverá mudanças na economia. Foi o que garantiu ao Estado o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. "A impressão que eu tenho é que estamos ganhando o jogo e tem um monte de gente reclamando e fazendo barulho", disse.
"O presidente pensa isso, porque já o ouvi falando várias vezes: nós estamos ganhando o jogo e portanto não tem cabimento fazer uma mexida, e muito menos uma mexida brusca." Bernardo foi um dos convidados do presidente Lula para uma conversa informal, na noite de terça-feira, no Palácio da Alvorada. Também estavam presentes o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
O encontro, realizado num dia em que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, e o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, criticaram abertamente a condução da política cambial, alimentou boatos de que o presidente do Banco Central estaria a um passo de deixar o governo. "Não tem nada disso¿, tranqüilizou Bernardo. "Falou-se sobre câmbio e outras queixas em relação à política econômica. Não foi exatamente uma reunião formal de trabalho, até porque foi na casa dele." A seguir, os principais trechos da entrevista.
As notícias de pressões do PT para mudar a política econômica não podem afetar o ambiente e prejudicar os investimentos privados?
Acho que as pessoas formam sua opinião pelo discurso, pelas relações políticas, mas também pelo que elas vêem de fato acontecer. O comportamento do governo Lula na questão da economia é conhecido. O presidente não quer abandonar os compromissos de austeridade fiscal, não quer mudança na política monetária e quer criar condições para que as taxas de juros continuem caindo.
Precisa mexer no câmbio?
Se tiver alguma proposta boa e exeqüível, ela tem de ser discutida. Mas a convicção no governo, hoje, é que a melhor opção é o câmbio flutuante. O câmbio suscita reclamações de vários setores, e isso é normal. Por outro lado, há setores se beneficiando. Há ramos inteiros da indústria se equipando e modernizando as instalações com importações, porque barateou muito o maquinário. Mexer no câmbio pode significar agradar a alguns e talvez prejudicar a maioria.
Esse foi o entendimento da reunião na noite de terça-feira com o presidente Lula?
Aquela não foi uma reunião para deliberar nada. Mas o espírito é esse. Tem de ver o que acontece com o câmbio. Quem ganha, quem perde. Se tiver algum prejudicado, precisamos de uma análise mais cuidadosa. Mas não fazer uma mexida que pode desarrumar a casa.
Que tipo de mexida?
As pessoas reclamam como se o governo pudesse dizer: o câmbio agora não é R$ 2,08, vai ser R$ 2,20, R$ 2,30. O problema é que tem um câmbio bom para a indústria automobilística, outro bom para a de calçado, um câmbio bom para o agronegócio. Não podemos fixar um câmbio para cada um deles. Isso tem de ser feito para buscar um equilíbrio sem intervenção direta do governo.
A política cambial pode avançar em que ponto?
Já se discutiu muito modernizar a legislação referente a câmbio. Falando mais explicitamente: não podemos mexer numa coisa que está funcionando para atender ao interesse de um ou outro setor. Se não for uma medida de amplo e geral interesse, não tem cabimento o governo fazer mudança.
Mas a pressão recrudesceu. Hoje (ontem) há até uma boataria de que o presidente do Banco Central estaria demissionário.
Boataria sempre tem. A reunião com o presidente foi para tirar qualquer dúvida que ele tenha sobre o quadro econômico, a conjuntura. Ele fez muitas perguntas, mas foi uma conversa descontraída.
Ele perguntou se a política cambial está ruim?
Não, não. Foi sobre essas reclamações. Ora, as pessoas falam com o presidente e evidentemente ele quer ter respostas. Não foi exatamente uma reunião formal de trabalho, até porque foi na casa dele.
Há pessoas próximas ao presidente que defendem o controle de capital. É uma tese que inclusive vai ser levada para a reunião do PT neste fim de semana.
As pessoas e organizações podem defender tudo o que elas acreditam, mas é preciso entender que a política econômica no Brasil é formulada a partir de critérios técnicos e tem o respaldo do presidente. A impressão que eu tenho é que estamos ganhando o jogo e tem um monte de gente reclamando e fazendo barulho.
O Meirelles não subiu no telhado, não?
Não. Parece que está no avião, indo para São Paulo.
Mas ele vai para Portugal, e sabe como diz o ditado...
Perder o lugar? Não, o Meirelles me ligou agora há pouco. Não tem nada disso, não.
Por que o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, critica câmbio e juros? Por que o presidente do PT, Ricardo Berzoini, exige que os bancos oficiais têm de ficar alinhados com o PAC?
Me parece razoável.
Mas já não estão? Por que precisa ir o presidente do PT pedir isso?
Não tem problema nenhum ele dizer isso, também.
Se está tudo tão bem na economia, por que o presidente Lula não convence o próprio partido?
Acho que todos reconhecem que estamos num momento ímpar. Ontem (anteontem), uma agência de rating, a Fitch, melhorou nossa classificação. E quem ia falar que teríamos US$ 92 bilhões em reservas? Hoje (ontem), o Tesouro colocou títulos no mercado em reais, com 21 anos, com taxa menor do que a Selic.