Título: Brasil-EUA, nova oportunidade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2007, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem uma boa oportunidade, logo no início do segundo mandato, de elevar o nível de relações com os Estados Unidos, fortalecendo os vínculos políticos e econômicos entre os dois países. O governo americano teve a iniciativa de pôr o assunto sobre a mesa, enviando ao Brasil o subsecretário de Estado, Nicholas Burns, e o secretário-adjunto para a América Latina, Thomas Shannon. Preparando o terreno para seus encontros em Brasília, o embaixador Burns fez uma palestra na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), na qual expôs as principais mudanças na política externa norte-americana - determinadas pelas duras experiências no Iraque e pela reação do eleitorado -, entre as quais o abandono do unilateralismo e a conseqüente valorização dos organismos multilaterais. Com relação ao Brasil, o subsecretário de Estado propôs o aprofundamento das relações políticas, tanto no nível regional como no nível global. Para ele, não há razões para os Estados Unidos não terem com o Brasil o mesmo tipo de relacionamento privilegiado que mantêm com a Índia. A visita de Burns precede a vinda da secretária de Estado, Condoleezza Rice. O passo seguinte deverá ser uma visita do presidente Bush a Brasília, em março. Esse esforço diplomático não teria sentido, se o governo dos Estados Unidos não estivesse disposto a renovar sua política hemisférica, dando maior atenção, de modo especial, aos sul-americanos.

O presidente George W. Bush decidiu investir numa aproximação com todos os governos eleitos na América Latina - 'incluído o de Caracas, se ele quiser' -, explicou o subsecretário. O Brasil é visto, obviamente, como interlocutor diferenciado, por sua dimensão, por seu peso econômico e por seu potencial de atuação no hemisfério.

O subsecretário de Estado trouxe um esboço de pauta para discussão. O desenvolvimento de tecnologias para a produção de etanol e de outros combustíveis de origem vegetal é um bom assunto para uma agenda inicial. Brasil e Estados Unidos são os maiores produtores mundiais de etanol e os mais avançados em tecnologia para essa atividade. Interessa a ambos a conversão de combustíveis alternativos em commodities negociáveis em bolsas. Esse plano já constava da agenda brasileira e a cooperação com os Estados Unidos pode ser produtiva. O governo dos Estados Unidos também deverá propor acordos em outras áreas, como o combate ao narcotráfico, bem como tentar engajar o Brasil em ações de preservação da democracia no hemisfério.

São temas delicados, mas negociáveis, e sua discussão não envolverá, necessariamente, a transformação do Brasil em garoto de recados - a imagem é do chanceler Celso Amorim. Mas seria um despropósito imaginar que o governo americano faria proposta tão ingênua. Burns e Amorim discutiram, como era de esperar, as tendências políticas da América do Sul e nada parece mais natural depois das últimas eleições na região. Uma conversa desse tipo envolve, pelo menos implicitamente, uma pergunta importante: o Brasil está disposto a exercer uma efetiva liderança regional na preservação dos valores democráticos?

Se o novo esforço de aproximação entre Estados Unidos e Brasil for levado à frente, haverá uma agenda muito ampla para exploração. A pauta econômica envolve temas concretos de grande importância, negligenciados nos últimos anos. 'O Brasil é uma potência regional e espanta-me o fato de ainda não termos um acordo bilateral na área de comércio e investimentos', disse Nicholas Burns.

Que tipo de acordo comercial poderia resultar, agora, de uma nova discussão entre os dois países, após o fracasso da Alca, provocado tanto por uma visão enviesada do governo brasileiro dos problemas hemisféricos quanto por uma atuação estabanada dos Estados Unidos? Nenhum sócio do Mercosul pode negociar um pacto de livre-comércio sem a participação de todo o bloco. Mas é tempo de o governo brasileiro repensar os interesses comerciais do País, deixando entre parênteses, pelo menos provisoriamente, seus compromissos com o estagnado bloco regional. Se for incapaz de fazê-lo, será incapaz, igualmente, de repensar suas possibilidades de agir diplomaticamente com base no peso e no potencial distintivos do Brasil. Nesse caso, os americanos terão escolhido o interlocutor errado para suas novas negociações hemisféricas.