Título: O fundo da questão é outro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2007, Notas e Informações, p. A3

As principais agremiações políticas ficaram indignadas, e a opinião pública decerto perplexa, com a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que redividiu os recursos do Fundo Partidário - cerca de R$ 120 milhões este ano, mais o produto das multas eleitorais aplicadas no período - beneficiando extravagantemente as legendas pequenas e nanicas. O tribunal fez letra morta da proporção estabelecida entre o grosso dos recursos públicos a serem transferidos aos 28 partidos registrados no País e a sua representação parlamentar. Antes, 99% do bolo era distribuído conforme o desempenho de cada legenda na eleição para a Câmara; o 1% restante, dividido por igual entre todas. O que o TSE fez, essencialmente, foi aumentar a parte fixa para 42%.

Com isso, até os microscópicos 8 partidos que não conseguiram emplacar um único deputado em 2006 entraram no rateio, em prejuízo, obviamente, das siglas que de fato contam, sobretudo PMDB, PT, PSDB e PFL. A toque de caixa, o que sabem fazer quando os seus interesses diretos estão em jogo, as 4 grandes mobilizaram as suas bancadas para aprovar em regime de urgência urgentíssima - ou urgentérrima, pois passaram como um trator sobre todos os prazos regimentais - um projeto que restabelecerá, ligeiramente abrandada, a situação anterior: 95% do dinheiro será dividido proporcionalmente entre os com-voto e 5% entre todos. O presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, apressou-se a aconselhar o Congresso a aprovar uma lei 'razoável' para não ser derrubada por inconstitucional.

De todo modo, nos termos em que foi posta, a polêmica em torno dos critérios para o rateio do Fundo Partidário - distribuição mais igualitária entre as agremiações ou preponderantemente de acordo com os votos por elas obtidos - passa ao largo do essencial: o fato de pelo menos uma dezena das atuais agremiações terem sido constituídas apenas para fins de escambo, em favor de quem as criou e controla. As apropriadamente chamadas legendas de aluguel trocam as frações de tempo a que têm direito no horário eleitoral, pela simples razão de existir e apresentar candidatos, por um punhado de lugares na coligação a que os seus donos as juntaram na esperança de se eleger deputados - e repetir o negócio no pleito seguinte.

Contra isso, o Congresso aprovou a importação de um dispositivo implantado há mais de meio século na Alemanha redemocratizada para tentar impedir que os partidos radicais de direita e esquerda tivessem assento no Bundestag, a câmara federal: a cláusula de desempenho, ou de barreira. O partido que não obtivesse 5% dos votos simplesmente não teria representação parlamentar. A versão brasileira foi menos drástica: os candidatos eleitos pelas siglas que ficaram aquém dos 5% da votação nacional e do mínimo de 2% em 9 Estados exerceriam o mandato, mas como deputados de segunda categoria, sem direito de participar dos órgãos decisórios da Casa e outras prerrogativas. As suas legendas só apareceriam na mídia eletrônica no período eleitoral e receberiam uma parte apenas de 1% do Fundo Partidário.

Em dezembro passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) acertadamente julgou a medida inconstitucional por afrontar o pluralismo político e o direito das minorias. Nisso se baseou o TSE para derrubar a forma de rateio do Fundo que dela se originou. Tecnicamente, portanto, fez a coisa certa. Não se pode dizer o mesmo do ministro Marco Aurélio quando demoniza a desigualdade política advinda do voto popular. Com a costumeira exuberância, argumentou que 'a hegemonia (dos grandes) conduz ao totalitarismo' - no contexto, pura pirotecnia. Debater, abstratamente, se a lei deve proteger as pequenas siglas ou se, por seus votos, algumas agremiações são 'mais iguais' que as outras é não ir ao fundo da questão.

Se a meta é acabar com as legendas caça-níqueis, incomparavelmente mais simples e eficaz do que impor cláusulas de barreira ou limitar as suas verbas seria aprovar um dos poucos itens indispensáveis da reforma política adormecida no Congresso: a proibição das coligações nos pleitos proporcionais. Isso obrigaria os locadores de nanopartidos a concorrer pelas siglas que fabricaram para isso - e elas sucumbiriam por falta de espaço eleitoral.