Título: 'Ninguém vai cometer haraquiri'
Autor: Rosa, Vera
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/02/2007, Nacional, p. A5

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu vai hoje ao jantar de comemoração do PT, ao lado do presidente Lula, mas jura que sua presença não causará constrangimentos. Apesar de intensa movimentação, o deputado cassado em 2005, sob acusação de chefiar o esquema do mensalão, disse que ainda não está em campanha por sua anistia e dá estocadas no ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, porta-voz do grupo disposto a formar um novo campo político no partido. ¿Ninguém vai fazer haraquiri no PT¿, afirmou, numa referência ao ritual do suicídio japonês.

Foi por causa de seus protestos que Tarso retirou do documento Mensagem ao Partido trecho em que apontava 'corrupção ética e programática' no PT. Presidente da sigla de 1995 a 2002, Dirceu assegura que não está em confronto com Tarso pelo espólio petista. 'Não existe essa disputa Tarso versus Dirceu', amenizou, ao falar ao Estado, por telefone, logo antes de ir para Salvador.

À noite, na capital baiana, ele foi recebido aos gritos de 'Dirceu,guerreiro,do povo brasileiro', ao subir ao palco do Teatro Jorge Amado para ser homenageado na abertura de um seminário da Juventude do PT. De camisa branca e muito mais magro do que quando deixou o governo, ele entrou no teatro ao som da música Apesar de Você, de Chico Buarque, de mãos dadas com crianças. O locutor o apresentou como ¿exemplo de militância política¿ para toda a América Latina: 'Até hoje batemos continência ao nosso comandante.'

O evento também acabou lançando, informalmente, a campanha pela anistia de Dirceu, apesar de sua negativa de que esteja trabalhando por isso agora. Ao som da Internacional, antigo hino comunista, ele ganhou dos jovens um quadro com uma foto sua na época em que era líder estudantil. Sob a foto em preto e branco, os dizeres 'anistia já'.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O que o sr. achou do fato de Tarso Genro ter incluído e depois retirado do documento ao PT um trecho dizendo que havia corrupção ética e programática no partido?

Considerei calunioso esse trecho em relação ao PT e ao governo. A ofensa não foi a mim. Sem esses termos, o documento levanta uma contribuição importante para o debate. Acho importante que o PT se renove.

O sr. e o Campo Majoritário não querem a ¿refundação¿ do PT, um termo que também saiu do documento do ministro. O sr. fez pressão para o recuo de Tarso?

Não. A única coisa que fiz foi manifestar minha opinião, considerei que esses termos atingiam o PT e o governo. Pessoas do governo também me ligaram. Não há acordo sobre essa história de refundar o PT. Ninguém está preocupado com isso nem em fulanizar a disputa.

Mas é evidente que há um confronto entre o sr. e Tarso. Não haverá constrangimento quando se encontrarem no jantar do PT?

Não tem nenhum constrangimento. Não existe essa disputa Tarso versus Dirceu. Não estou disputando com ninguém: tenho idéias e propostas. Tudo se renova, as pessoas mudam. Nem o Campo Majoritário será o que era. Mas ninguém vai fazer haraquiri no PT.

Ao levantar o tema de sua anistia, o sr. não criou constrangimentos? O ministro Tarso disse que esse tema não está na agenda.

Não foi ele que disse: eu já falei que a anistia não é assunto do PT e do governo. Não vai haver nenhuma campanha agora, nem comitê nacional, nada disso.

O sr. contratou profissionais para fazer pesquisas e avaliar o momento de deflagrar a campanha...

Estou observando o clima, avaliando o momento adequado, com calma. Tenho viajado pelo País e obtido apoios. O que não queria é que tivesse acontecido isso: não sou protagonista do encontro do PT nem do governo.

O sr. prega a saída do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Agora, a resolução política que o PT deve aprovar contém críticas à política monetária e cambial. É correto o PT assumir esse ataque?

O PT tem de se sustentar no apoio ao governo Lula. Eu sou um governista de quatro costados. Agora, o PT tem o direito de fazer o debate sobre os rumos do País e a política econômica. O debate é legítimo. Mas, uma vez tomada a decisão (pelo governo), todos têm de apoiar.

O sr. fez isso na Casa Civil?

Fiz. Foram 30 meses assim. Tarso agora está passando pelo que eu passei no governo, tendo de defender a política econômica, mesmo na divergência. A coisa só não foi mais grave porque sou disciplinado e amigo do Palocci. É, a vida é dura.

O ENTREVISTADO

Homem forte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva até 2005, José Dirceu pediu demissão do cargo de ministro da Casa Civil em 16 de junho daquele ano, ao ser acusado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) de chefiar o esquema do mensalão. Ele retomou o mandato de deputado, mas foi cassado em 1º de dezembro de 2005. O ex-ministro é um dos denunciados pelo procurador da República, Antonio Fernando de Souza, nas investigações sobre o esquema de pagamento de propina a parlamentares.